segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Faseologia e Autonomia do Desenvolvimento

Marcos Simão
O pensamento de Celso Furtado

Resumo
O estruturalismo econômico teve como objetivo principal pôr em evidência a importância dos "parâmetros não-econômi-cos" nos modelos macroeconômicos. A presença de Celso Furtado foi central no debate para o amadurecimento e auge do ciclo ideológico do "desenvolvimento" no Brasil, entendido como a ideologia de superação do subdesenvolvimento, através de uma industrialização planejada e orientada pelo Estado. Os elementos históricos ocorridos na segunda metade da década de 50 ensejaram as mudanças que estariam para ocorrer, nos anos 60, nos rumos do debate econômico - um acirra-mento dos problemas macroeconômicos - crescente visibilidade urbana da hetero-geneidade social, resultante da incapacidade da indústria em absorver a enorme força de trabalho que migrava do campo à cidade. As idéias que permeavam a década de 60 nas obras de Furtado, e, sua contribuição histórica na análise estruturalista do subde-senvolvimento podem ser compreendidas pela noção dada de subdesenvolvimento. Para Furtado, o desenvolvimento, hoje, consiste, essencialmente, em dar curso à capacidade criativa do homem.


O Desenvolvimento 
Ainda que fosse simples, não seria fácil. Pois a idéia de classificar os sistemas econômicos históricos e de definir, a partir dessa classificação, tipos ideais - categorias abstratas - de sistemas econômicos, com base num pequeno número de fenômenos passíveis de expressão quantitativa, mesmo sendo muito antiga, é imaginar que esses tipos ideais são fases pela quais passam necessariamente todas as sociedades em sua evolução. Entretanto, isso é uma forma particular de interpretação da história fundada nas idéias de progresso que permeiam a filosofia européia a partir do Iluminismo.
Partindo do estruturalismo cepalino de Raúl Prebich, Celso Furtado introduziu "história", cujo alicerce que pode ser chamado de "método-histórico-estrutural", construído a partir dos anos 40, é o da análise do subdesenvolvimento econômico, num trabalho dividido em quatro níveis da análise econômica, ou seja, o "teórico", o "histórico", o da análise "aplicada" aos processos e tendências correntes e o da "formulação" de política econômica. Em um segundo momento, incorpora a sua obra a partir das décadas de 50 e 60 (início de sua experiência na SUDENE) os níveis sócio-econômico e sócio-político. Já em 60 insere considerações sobre a cultura - Dialética do Desenvolvimento, 1964. Criatividade e Dependência, 1978. e Cultura e Desenvolvimento em tempos de Crise, 1984.
"O desafio que temos diante de nós é simplesmente este: como modificar o conjunto de forças que estão dividindo este pais em dois, marcado pela pior das desigualdades que é a que distancia o pauperismo da abundância? Como modificar o curso do processo histórico que está sovacando a unidade deste grande país, ao mesmo tempo que permite a formação, dentro de suas fronteiras, de uma área que poderá vir a constituir um problema para todo o Hemisfério? Como evitar que o grande esforço que o país já realiza no Nordeste continue a ser frustrado em seus objetivos últimos por aquelas forças que traumatizam o desenvolvimento da região"
Furtado, Celso. 1959 - Discurso de posse do cargo de superintendente da SUDENE
O que se entende por pensamento "estruturalista" latino americano em economia não tem relação direta com a escola estruturalista francesa, cuja orientação geral tem sido privilegiar o eixo das sincronias na análise social e estabelecer uma "sintaxe" das disparidades nas organizações sociais. O estruturalismo econômico (escola do pensamento surgida na primeira metade dos anos cinqüenta entre economistas latino-americanos) teve como objetivo principal pôr em evidência a importância dos "parâmetros não-econômicos" dos modelos macroeconômicos. Como o comportamento das variáveis econômicas depende em grande medida desses parâmetros, e a natureza dos mesmos pode modificar-se significativamente em fases de rápida mudança social, ou quando se amplia o horizonte temporal da análise, os mesmos devem ser objeto de meticuloso estudo. Essa observação é particularmente pertinente com respeito a sistemas econômicos heterogêneos, social e tecnologicamente, como é o caso das economias subdesenvolvidas. Em certo sentido, o trabalho desses economistas aproxima-se do daqueles outros preocupados em dinamizar os modelos econômicos. Em um e em outro casos, tem-se em vista transformar constantes em variáveis, o que permite alcançar um nível mais alto de generalidade no esforço de teorização. Considerando o problema sob outro aspecto, os estruturalistas retomaram a tradição do pensamento marxista, na medida em que este último colocou em primeiro plano a análise das estruturas socais como meio  para compreender o comportamento das variáveis econômicas.
A presença de Celso Furtado foi central no debate que corresponde ao amadurecimento e auge do ciclo ideológico do "desenvolvimento" no Brasil, entendido como a ideologia de superação do subdesenvolvimento, através de uma industrialização planejada e orientada pelo Estado. O ciclo desenvolvimentista de 1945 a 1955 amadureceu em dois sentidos; primeiro, através da difusão das idéias desenvolvimentistas por intermédio da multiplicação de documentos de governo, periódicos, livros, artigos de jornal etc., segundo, no sentido de amadurecimento analítico. Como exemplo o vanguardismo desenvolvimentista de Roberto Simonsen, no célebre debate de 1944 com o líder neoliberal Eugênio Gudin, por mais que atraísse as pessoas, não havia encontrado no plano analítico, melhor defesa para o desenvolvimento. Disputa que favoreceu ao desenvolvimentismo cepalino a partir de 1949. O bastão dessas idéias vangardistas passou para as mãos de Celso Furtado com a morte de Simonsen. Ironicamente Celso Furtado já vinha operando na difusão das idéias cepalinas os anos anteriores, quando então Furtado passaria a ser a grande referência desenvolvimentista no Brasil.
Durante seus primeiros anos na CEPAL, Furtado desenvolveu um intenso trabalho, além de participação na elaboração do Economic Survey of Latin America, dirigiu e elaborou partes do Estudio Preliminar Sobre La Técnica de Programación del Desarrollo Econômico e foi o primeiro presidente da sociedade civil (Clube dos Economistas) e quem elaborou uma nova Revista Económica Brasileira, a qual tentaria promover idéias independentes da linha que regia as publicações da Fundação Getúlio Vargas, nesse momento sob o controle da ortodoxia econômica de Eugênio Gudin e Octávio Bulhões. Em A economia...(1954), muito da teorização e da primeira reflexão sobre o crescimento e a industrialização em relação ao Brasil e produto de sua estada da CEPAL, Furtado afirma que o Brasil já havia assumido no passado políticas relativamente heterodoxas de defesa do capital nacional, época em que a era da "ideologia desenvolvimentista" já estava personificada. Essa obra não foi muito bem recebida pela CEPAL, cuja atitude foi elaborar regras de publicação para os autores que ali trabalhavam.
Os elementos históricos ocorridos no transcurso da segunda metade da década de 50 ensejaram as mudanças que estariam para ocorrer nos anos 60 nos rumos do debate econômico - um acirramento dos problemas macroeconômicos, crescente visibilidade urbana da heterogeneidade social, resultante da incapacidade da indústria em absorver a enorme força de trabalho que migrava do campo à cidade.
Para compreender o contexto em que se desenvolveram os discursos sobre o desenvolvimento, é fundamental levar em consideração a conjuntura brasileira nessa época. Lembremos que, sem o apoio decidido de Getúlio Vargas, a CEPAL não poderia ter sido construída, devido à veemência (Mallorquin, C., op. cit.) com que o governo estadunidense se opunha. O Brasil talvez representasse a nação latino-americana mais pura naquilo que foi denominado "o projeto nacional de desenvolvimento". A "industrialização" foi sempre um anseio primordial nas idéias de Getúlio Vargas. É óbvio, então, a eminente participação do "Estado" na configuração do processo de desenvolvimento brasileiro.
No Brasil, o discurso relativo ao "progresso" via a industrialização, antecipou sobremaneira as discussões em relação a outras nações. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação da CEPAL,[1] surgiram de condições para se repensar o "desenvolvimento nacional".
"É no campo econômico, entretanto, que a Lei da SUDENE encerra elementos inovadores substanciais. Temos avançado muito, em nosso país, no sentido da formação de uma consciência nova das funções do Estado. Em poucas partes do mundo, a concepção novecentista do Estado gendarme foi tão superada como entre nós. Temos plena consciência de que o desenvolvimento é um grande parte, a resultante de uma ação estatal bem concebida."
Furtado, Celso. 1959 - Discurso de posse do cargo de superintendente da SUDENE
Em que pese as diferenças de tom - os textos anteriores a 1964 são mais esperançosos - os elementos de continuidade na obra de Furtado são muito superiores aos de ruptura. O diagnóstico central a toda a década de 60, era o de que a industrialização não estava eliminando a heterogeneidade e a dependência, mas, apenas alterando a forma como essas características passavam a se expressar. O que ocorre a partir de 1964 é a introdução de dois componentes analíticos; o significado de empresas multinacionais para o comportamento da economia e a questão distributiva.
As idéias que permeavam o período da década de 60 nas obras de Furtado e a sua contribuição às noções de desenvolvimento e a dimensão histórica na análise estruturalista do subdesenvolvimento podem ser compreendidas pela noção dada de subdesenvolvimento. Entendido-se desenvolvimento como sendo uma das linhas históricas de projeção do capitalismo industrial cêntrico em nível global e a do subdesenvolvimento como sendo um "processo histórico autônomo", que tende a se perpetuar e que não pode ser considerado uma simples etapa de desenvolvimento econômico pela qual passa todos os países.
A grande contribuição está nas estratégias de desenvolvimento. Até Furtado, o desenvolvimento era uma evolução que algumas sociedades conseguiam, outras não. Furtado mostrou que o desenvolvimento não era uma evolução, era uma opção. Resultado de políticas que exigiam rupturas.
Diversos aspectos das idéias básicas sobre o desenvolvimento e o estabelecimento de uma conexão explícita com a cultura, foram analisados por Celso Furtado já nos idos de 1964, mas foi quando de sua estada em Cambridge que essa temática tornou-se preferencial em seu trabalho, do qual resultou o livro "Criatividades e dependência na civilização industrial", publicado em 1978. As grandes questões tratadas nessa obra são retomadas, no livro "Cultura e Desenvolvimento em época de crise" de 1984, ambos precisam e aprofundam um conjunto de idéias básicas sobre desenvolvimento e cultura.
O problema político essencial para o intelectual - destaca M. Foucault - não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer de tal modo que sua prática esteja acompanhada de uma ideologia justa. É saber se é possível construir uma nova política da verdade. O problema não é "mudar a consciência" das pessoas ou o que têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional da produção da verdade.
"Verdad y poder", Microfísica do poder, Madrid, La Piqueta, Madrid, 1980, subrayados míos, p.189
Faz-se necessário, ainda, aprofundar os conhecimentos na desafortunada associação das idéias de Celso Furtado com as do próprio Prebrich, bem como, e não menos importante, é decifrar e conhecer os códigos que dominaram a recepção de suas idéias. Tudo isso leva à conclusão de que as ciências sociais latino-americanas parecem desconhecer sua grande dívida com o economista brasileiro. Sua herança é incomensurável e deve ser resgata do esquecimento para (re)construir as verdades deste mundo. Furtado, como intelectual comprometido com a transformação das relações sociais reinantes, não foi alheio a esta problemática: deixou-nos como legado um "regime da verdade" sobre a idéia do subdesenvolvimento e as possíveis vias para sua superação.
Um novo Horizonte: Cultura e Desenvolvimento
Reproduzindo um trecho de um texto publicado pela "Revista da Cepal" em abril de 2000, revista da escola de pensamento que Furtado, há 52 anos, ajudava a construir. "A globalização opera em benefício dos que estão na vanguarda tecnológica e exploram os desníveis do desenvolvimento entre países. Os países com grande potencial de recursos naturais e acentuadas disparidades sociais, o caso do Brasil, correm o risco de desagregar-se ou deslocar-se a regimes autoritários. Para escapar dessa disjuntiva, há que voltar à idéia do projeto nacional, recuperando para o mercado interno o centro dinâmico da economia. A maior dificuldade reside em reverter o processo da concentração de renda, o que só poderá fazer-se mediante uma grande mobilização social. Em poucas palavras, podemos afirmar que o Brasil só sobreviverá como nação se se transformar numa sociedade mais justa que conserva a sua independência política". O texto é bastante representativo da sua posição, e que ao mesmo tempo pré-anuncia uma temática que talvez venha a ser central nesta década. A via brasileira do desenvolvimento não tem que ser uma "terceira via", tem que ser uma via própria, resultado de um projeto nacional derivado das especificidades do país.
Colocando à parte os esforços para definir cultura, Celso Furtado entende cultura como sendo um sistema, um conjunto cujas partes que guardam certo grau de coerência entre si. Entende que esse sistema constitutivo da cultura tende à mudança, estando sujeito à continuas mutações que, geralmente, supõem o enriquecimento; por vezes, um enriquecimento cultural rápido e considerável. Para Furtado, o desenvolvimento se aplica a esse sistema. O desenvolvimento, em outras palavras, diz respeito à cultura, globalmente considerada. Consiste, essencialmente em dar curso à capacidade criativa do homem. Há, para Furtado, dois processos distintos de criatividade. De um, derivam inovações no âmbito daquilo que se denomina "cultura material", representada ou definida pelo dueto progresso técnico/acumulação - entenda-se que o termo inovação não está empregado em seu sentido usual. Do outro, derivam inovações que se dão no âmbito da "cultura não-material", entendida de forma sintética como o patrimônio de idéias e valores que uma sociedade vai construindo.
(...) Temos o dever de nos interrogar sobre as raízes dos problemas que afligem o povo e repudiam posições doutrinárias fundadas num reducionismo econômico. Como ignorar que os germes da crise atual já corroíam nosso organismo social na fase de rápido crescimento das forças produtivas do País? Não terá sido o nosso um desses casos de mau desenvolvimento que hoje preocupam os estudiosos da matéria? (...) Impõem-se formular a política de desenvolvimento a partir de uma explicação dos fins substantivos que almejamos alcançar, e não com base na lógica dos meios imposta pelo processo de acumulação comandado pelas empresas transnacionais. A superação do impasse com que nos confrontamos requer que a política de desenvolvimento conduza a uma crescente homogeneização de nossa sociedade e abra espaço à realização das potencialidades de nossa cultura.(...)
Furtado, Celso. Discurso pronunciado por ocasião da comemoração dos seus 80 anos de idade e pelos 40 anos de criação da SUDENE. junho de 2000.
É importante insistir brevemente sobre esses dois aspectos da cultura. A criatividade e a inovação nas quais a cultura se expressa, permitem a geração de excedentes econômicos adicionais, que possibilitam a ampliação e a renovação do horizonte de opções disponível aos membros de uma comunidade. Para Furtado, a inovação ou invenção no âmbito da "cultura não-material" - por ser a que amplia o universo de idéias e valores - é a que abre caminhos para a realização das potencialidades latentes do próprio homem, ou seja, a sua auto-identificação através de atividades como a reflexão filosófica, a meditação mítica, a criação artística ou a investigação científica, ainda que a inovação no âmbito material seja fundamental para que essas opções sejam realizáveis. Nas palavras de Furtado, "comecemos por indagar sobre as relações existentes entre a cultura como sistema de valores e o processo de acumulação que está na fase da expansão das forças produtivas. Trata-se de contrastar a lógica dos fins, que rege a cultura, com a dos meios, razão instrumental inerente à acumulação puramente econômica"[2]. "A rigor, pode-se falar em desenvolvimento quando a capacidade criativa do homem se dirige ao descobrimento de si mesmo, empenhando-se em enriquecer seu universo de valores. Efetiva-se o desenvolvimento quando a acumulação conduz à criação de valores que se difundem em importantes segmentos da coletividade"[3].
Furtado acredita que "se admitirmos que nosso objetivo estratégico é conciliar uma taxa de crescimento econômico elevada com absorção do desemprego e desconcentração da renda, temos de reconhecer que a orientação dos investimentos não pode subordinar-se à racionalidade das empresas transnacionais" e que, "devemos partir do conceito de rentabilidade social, a fim de que sejam levados em conta os valores substantivos que exprimem os interesses da coletividade em seu conjunto. Somente uma sociedade apoiada numa economia desenvolvida com elevado grau de homogeneidade social pode confiar na racionalidade dos mercados para orientar seus investimentos estratégicos".
Furtado - ao relacionar o exposto à prática - observa que os conflitos sociais e as atividades políticas surgidas nos grandes centros foram elementos chaves para o impulsionamento das transformações estruturais necessárias à continuidade da acumulação. Por exemplo, a elevação do nível e da massa de salários se dá em decorrência de transformações e impulsos sócio-políticos, e não em virtude de mecanismos puros de mercado. Da mesma forma, a orientação da tecnologia não é alheia às sucessivas instâncias de confrontação que essas transformações e impulsos geram.
Considerações finais
Para vencer o subdesenvolvimento, segundo Celso Furtado, faz-se necessário romper com determinadas estruturas e, consequentemente, romper com certos conceitos arraigados na história. O desenvolvimento dos países de terceiro mundo somente ocorrerá quando essa ruptura acontecer na prática e não com a mudança de fase, evolução do subdesenvolvimento ao desenvolvimento. Furtado argumenta que "o desenvolvimento é uma opção". para que ele ocorra, a cultura tem papel essencial, pois será ela quem determinará o tipo de desenvolvimento que almejado por uma sociedade.
Os padrões tecnológicos e hábitos de consumo dos países centrais ou desenvolvidos não podem e nem devem servir de referência aos países subdesenvolvidos, muito embora, esta tenha sido a grande estratégia destes países quando se referem aos países subdesenvolvidos. A contribuição de Furtado, nesse sentido, é o que se poderia considerar como uma ruptura com os conceitos faseológicos do desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento não deve ser uma terceira via para  os países subdesenvolvidos, deve sim, ter uma via própria cuja economia será o instrumento para o desenvolvimento cultural. Desenvolvimento esse entendido como objetivo final de uma sociedade.



Bibliografia
Furtado, Celso. (1954), A Economia Brasileira - Rio de Janeiro - Ed. A Noite, 1954.
______, Celso. (1959) (fragmentos do) Discurso pronunciado pelo economista Celso Furtado, ao tomar posse do cardo de Superintendente da Sudene- Recife, 1959.
______, Celso. (1959) Formação econômica do Brasil - São Paulo - Companhia Editora Nacional, 1959.
______, Celso. (1959), Desenvolvimento e Subdesenvolvimento - Rio de Janeiro - Fundo de Cultura, 1959.
______, Celso. (1978), Criatividade e Dependência, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978.
______, Celso. (1983) ,O Brasil Pós-Milagre - Rio de Janeiro - Paz e Terra, 1983.
______, Celso. (1984), Cultura e Desenvolvimento em época de crise - Rio de Janeiro - Paz e Terra, 1984.
______, Celso. (1989), A Fantasia Desfeita - Rio de Janeiro - Paz e Terra, 1989.
______, Celso. (2000) Teoria Política do Desenvolvimento econômico - São Paulo. Paz e Terra, 2000.
GTDN (1959), Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1959
Mantenga, Guido, A economia política brasileira, op. cit; Limoeiro Cardoso, La ideologia dominante, Sigo, XXI, México, 1976,
Cardoso, Fernando, Ideologias de la burguesia industrial em sociedades dependientes, Sigo XXI, México, 1967.
Bielschowsky, R. (Org), Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL, Rio de Janeiro, Record, 2000.
Sachs, Ignacy e Formiga, Marcos. coord. Celso Furtado a Sudene e o Futuro do Nordeste, Seminário Internacional, Recife, SUDENE, 2000.






[1] Guido Mantenga, A economia política brasileira, op. cit; Limoeiro Cardoso, La ideologia dominante, Sigo, XXI, México, 1976, e Fernando Cardoso, Ideologias de la burguesia industrial em sociedades dependientes, Sigo XXI, México, 1967.
[2] Furtado, Celso. Seminário Internacional. Celso Furtado a Sudene e o Futuro do Nordeste, SUDENE, junho de 2000.
[3] Furtado, Celso. Cultura e Desenvolvimento em época de crise. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1984 pp 106 e 107.

Tudo Era de Um Branco sem Máculas

Marcos Simão
As premissas que seguiram as linhas dos troncos e das galhas e das galhadas das árvores deram a lugar em 1912 às linhas derivadas da estrutura do espaço no Cubismo analítico. A abstração em grande medida, origem na forma lisa e chapada do Cubismo Sintético, uma modalidade completamente estranha a Mondrian. Imagina-se a primeira vista que ele deva ter desaprovado o fato de Picasso e Braque terem evoluindo com lógica estranha por quatro anos das paisagens de Estaque e de Horta para luminosidade dispersa do período hermético, e de repente deram uma volta para a arbitrariedade. Sabe-se que ele desaprovou o fato de que, alcançando um nível do sublime da abstração da natureza, usaram a colagem, deixaram a realidade - em toda sua banalidade e toda subjugação do tempo para traz - um recurso à nostalgia e o materialismo. É evidente que não poderia aceitar nenhum forma de compilação como uma solução. A forma montada do Cubismo Sintético derivou-se finalmente da forma separada lisa de Gaudin. A fidelidade de Mondrian pertenceu ao Impressionismo e a Seurat, a seus interesses de traduzir uma sensação em um encadeado de pinceladas. As pinceladas de Mondrian Neo-impressionista de 1908-10 eram alongadas nas linhas curtas das marinhas e das fachadas de 1914-15 que eram por sua vez alongados nas linhas que estendem dum lado ao outro da tela e aparentemente além.
Um Mondrian não consiste de retângulos azuis, vermelhos, amarelos e brancos. Eles são concebidos - como limpas e inteminaveis telas. Em termos de linhas, linhas que se podem mover com a força de uma intensa tempestade ou como a delicadeza de um gato.
Mondrian queria o infinito, e a forma é finita. Uma linha reta se estende infinitamente e o espaço aberto entre duas linhas paralelas é rigorosamente fixo e igualmente se estende infinitamente. A abstração de  Mondrian é a mais compacta e imaginável harmonia pictorial,  a mais auto-suficiente superfície pintada (além de ser tão íntima quanto um interior holandês). Ao mesmo tempo que rompe com seus limites de modo que pareça um fragmento de um cosmos maior ou de modo que, começando por um tipo do retorno ao espaço que governa além de seus próprios limites, ele adquire uma segunda ilusão, a da escala, por que as distâncias entre pontos na tela parecem mensuráveis em milhas.
O positivo e o negativo são as causas de toda a ação... O positivos e o negativos rompem com a unidade, eles são a causa de todo a infelicidade. A união do positivo e do negativo é a felicidade. A unidade palpável da flor ou da torre solitária, sujeitas ao tempo e as mudanças, teve que liberar a unidade subliminal de um equilíbrio vívido.

Nos início do século XX muitos artistas tentaram várias maneiras abstratas de representar a realidade. Mondrian foi além deles. Em suas composições finais evitou toda a sugestão de reproduzir o mundo material. Ao contrário usando linhas pretas horizontais e verticais que os blocos do esboço de branco, vermelho puro, azul ou amarelo, ele expressou sua concepção da harmonia e do equilíbrio finais. Mondrian nasceu em 27 março de 1872 em Amersfoort, nos Países Baixos. Estudou na Academia de Amsterdã de 1892 a 1895 começando então suas próprias pinturas. A maioria de seus primeiros trabalhos eram paisagens. Em 1909 começou uma série das pinturas de árvores em que desenvolveu um estilo cada vez mais abstrato. Mudou-se para Paris em 1912 onde foi influenciado pelos pintores cubistas. Durante a primeira guerra mundial, Mondrian pintou nos Países Baixos. Lá ajudou De Stijl, uma revista, de artes que influenciou a pintura, a arquitetura, e o design europeus. Começou também a formular suas próprias teorias estéticas. Seu estilo, e seus princípios artísticos subjacentes, chamou o neoplasticismo. As pinturas mais recentes, que datam de 1920 até sua morte, têm títulos simples, tais como "Composição em Vermelho, Amarelo e Azul" pintado em 1926, e "Composição em Branco, em Preto e em Vermelho" (1936).
Mondrian viveu em Paris de 1919 a 1938. Mudou-se para Londres em 1938 e partiu para New York em 1940. Seus trabalhos foram admirados por outros artistas, mas não venderam. Sua última pintura, chamada ‘Victory Boogie Woogie’', era ainda liberal quando morreu em New York City primeiro de fevereiro de 1944.
Abstração pura
A forma e as cores tiveram sempre sua própria força emocional: os projetos em antigas bacias, em vestimentas, e em mobiliários são abstratos, como são as páginas inteiras de manuscritos medievais. Mas, a pintura ocidental nunca teve antes o prazer de formas como esta, na cor feita independente da natureza, feito seriamente porque um assunto direcionado para o pintor. A abstração transformou-se num veículo perfeito para que os artistas explorassem e universalizasse idéias e sensações.
Diversos artistas reivindicaram ser os primeiros a pintar um retrato abstrato, assim como quando os primeiros fotógrafos reivindicaram sobre quem tinha inventado a câmara. Para a arte abstrata, a distinção é dada com frequência a Wassily Kandinsky, mas certamente o artista Russo, Kasimir Malevich, está também entre os primeiros.
O estilo tardio de Kandinsky teve uma tendência geométrica e a Abstração Suprematista aconteceu na maior parte em torno do quadrado, mas o verdadeiro artista da geometria foi Mondrian. Ele parece ser o artista abstrato absoluto, a pesar de suas primeiras paisagens e suas naturezas mortas serem relativamente realistas.

The Grey Tree (1912) um meio caminho para uma representação abstrata para seu trabalho geométrico, contudo ele têm também um pé no mundo real da vida e da morte. The Grey Tree é uma arte realista no ponto para decolar para a abstração: retirando-se o título e nós tem uma abstração; adicione o título e nós temos uma árvore cinzenta. Reivindicou ter pintado estes retratos da necessidade fazer uma vida, tendo, contudo, uma frágil delicadeza preciosa e rara. Mondrian procurou uma arte de máxima retitude: seu maior desejo era alcançar a pureza pessoal, para desprezar tudo que satisfaz o a emoção e que entra na simples dividade. Isso pode soar tedioso, mas ele compôs com incerteza lírica o contrapeso que fez da sua arte tão pura e purificadora como esperou. Em outras palavras, Mondrian eleminou as linhas curvas, resíduo do que considerava confusão de espírito procedente do barroco. As retas verticais e horizontais deviam ser o único meio estilístico permitido ao Neoplasticismo, evitando toda a limbrança da pincelada emocional; a cor plana, compacta, pura, devia ser a lei indiscutível.
Mondrian impôs rigorosas restrições a si mesmo, usando somente cores preliminares, preto e branco, e formas fortemente delimitadas. Suas teorias e sua arte são um defesa triunfante da austeridade. Diamond Painting in Red, Yellow, and Blue (1921-25) parecem ser vazios de espaços tridimensionais, mas é de fato uma pintura imensamente dinâmica. A forma é densa e com grande tensão cromática. As espessuras variando das beiras pretas contêm-nas no contrapeso perfeito. Integram-se continuamente enquanto nós prestamos atenção, mantendo nos interessados constantemente. Nós percebemos que esta é uma visão da maneira que as coisas como elas pretendiam ser, mas nunca são.


Nossa Diversidade Criadora

(Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento)
(Javier Pérez de Cuéllar, Papirus,1997)
Cultura e Desenvolvimento
Duas visões do Desenvolvimento
Com a intenção de limitar a desconcertante gama de significações acerca dos conceitos de Cultura e Desenvolvimento, duas foram as perspectivas utilizadas na visão de desenvolvimento. A primeira, o desenvolvimento é um processo de crescimento econômico, uma expansão rápida e duradoura da produção, da produtividade e da renda per capta, às vezes matizada pela repartição eqüitativa dos benefícios do crescimento. A segunda, o desenvolvimento humano como um processo que fortalece e amplia a liberdade efetiva de um povo em busca da realização dos objetivos por ele valorizados, enfatizando a ampliação das capacidades e das possibilidades dos povos e o alargamento das opções de indivíduos, de grupos e de culturas distintas. Vale ressaltar que essa acepção não denotam o simples incremento da produção material.
A cultura pode ser vista, então, como um instrumento ou como um fim desejável em si mesmo. Para o que trata da acepção de desenvolvimento apenas como crescimento econômico o papel da cultura é puramente instrumental na promoção do crescimento acelerado ou como um obstáculo a ele. Neste caso o crescimento econômico é considerado como algo que tem valor próprio e seus instrumentos são tidos como meios para alcança-lo. Por outro lado, questiona-se se o crescimento econômico é um mero instrumento sem condições de disputar com os aspectos culturais uma posição fundamental para a existência humana. É importante considerar que, no geral, as pessoas apreciam os bens e serviços econômicos, o que as permite viver livremente e segundo seus valores de desejos, mas por outro lodo a própria apreciação desses bens e serviços ou do reconhecimento desses valores e desejos é, em última instância um dado cultural. Eis que surge importantes questões: É a cultura um aspecto ou um instrumento do desenvolvimento entendido como crescimento econômico? Ou, é a cultura a finalidade do desenvolvimento, compreendido na acepção de florescimento da existência humana em todas as suas formas, já que a economia faz parte da própria cultura de um povo.
Para compreender este duplo papel da cultura e sua aplicação, não somente no contexto de crescimento econômico, mas também na conservação do meio ambiente, natural ou construído, bem como na preservação dos valores da família, na proteção das instituições civis da sociedade, etc a cultura deve ser apreendida de maneira mais fundamental: não como instrumental de outros fins, mas como a base social desses próprios fins. Em outras palavras, para compreender a "dimensão cultural do desenvolvimento" é necessário apreender os dois papeis da cultura.

Cultura e Desenvolvimento
O objetivo último do desenvolvimento humano e um dos seus mais importantes instrumentos e meios é, então, o indivíduo. Porém esse não é uma ilha ou átomo isolado, as pessoas trabalham juntas, cooperam, competem, interagindo de diversas formas. A cultura é justamente o que as  conecta e define como elas se relacionam com os meios natural e construído, e como expressam suas atitudes e suas opiniões, tornando possível o desenvolvimento de cada indivíduo. Pode-se, assim, entender desenvolvimento humano e crescimento econômico como partes ou aspectos da própria cultura de um povo. Não há sentido, assim, relacionar cultura e desenvolvimento como conceitos separados e estanques. A Cultura deve ser entendida então como o a finalidade última do desenvolvimento, definido como "florescimento da existência humana em seu conjunto e em todas as suas formas".
Entretanto, essa definição de Cultura é rejeitada e seu significado reduzido ao de "estilo de coexistência" e de desenvolvimento como sendo "a ampliação das possibilidades, oportunidade e opções" e a ligação entre Cultura e Desenvolvimento passa a referir-se ao estudo das várias formas de coexistência que interferem na ampliação das opções abertas ao homem. A Cultura de não é estática ou imutável, ao contrário, é um fluxo constante que influencia e é influenciada por outras, refletindo sua história, seus costumes suas instituições e atitudes, conflitos, etc.
Assim, a noção de "Desenvolvimento Culturalmente sustentável", deve ser empreendido com grande preocupação, visto que a Cultura não pode restringir-se a um papel de instrumento que "sustenta" outro objetivo ou excluir a possibilidade de seu crescimento ou evolução. Pois a Cultura é uma fonte permanente de progresso e de criatividade. Superar o papel instrumental da cultura e reconhecer ser papel construtivo, constitutivo e criativo é pensar o desenvolvimento em termos que englobe o crescimento Cultural.
A maioria dos países são constituídos pela multiplicidade Cultural, gerando benefícios ou conflitos. Os governos não podem determinar a cultura de um povo, são na verdade determinados, pelo menos em parte, pela Cultura desse povo, mas podem influenciá-la positiva ou negativamente e, por conseqüência, modificar as vias do desenvolvimento. O princípio é o respeito, que vai além da tolerância, significa uma atitude positiva diante a diversidade cultural. O jogo nesse caso é de poder, pois a hegemonia Cultural baseia-se na exclusão de grupos subordinados e em argumentos pseudocientíficos invocados para justificar o domínio sobre os outros. "Uma política baseada no respeito mútuo apoia-se largamente na racionalidade científica.
Como, então, substituir o ódio pelo respeito em um mundo familiarizado com a "purificação étnica", o fanatismo religioso e o preconceito racial e social? A resposta pode residir na liberdade cultural, se esta for um dos pilares sobre os quais se assenta o Estado. Esta liberdade é diferente das outras formas de liberdade, não podendo ser comparadas. Primeiro, enquanto grande parte das liberdades são individuais a liberdade Cultural é coletiva. O que não implica a conivência com a corrupção de direitos coletivos, a exemplo das sociedades de castas ou dos grupos de pressão que neguem qualquer tipo de liberdade individual.
Segundo a correta interpretação da liberdade cultural garante a liberdade a liberdade um seu conjunto, não apenas a coletividade, mas também o indivíduo. A liberdade cultural, nesse caso, constitui uma proteção adicional para a liberdade individual.
Terceiro ao proteger modos alternativos de vida, de que trata os fundamentos do Desenvolvimento Humano, a liberdade individual incentiva a criatividade, a experiência e a diversidade, ao mesmo tempo que torna as sociedades inovadoras dinâmicas e duradouras. Por fim, a liberdade é a espinha dorsal da cultura, em particular a liberdade de decidir ao que dar valor e que modos de vida buscar, de definir nossas próprias necessidades fundamentais, o que tem sido ameaçado por pressões globais e pela negligência mundial.

Cultura Global fragmentada.
Não menos importante que a expansão dos processos econômicos e sua interdependência internacional aplicada ao comércio, ao investimento externo, ao fluxo monetário e às migrações populacionais, a de expansão internacional os processos de natureza cultural estão se tornando globais. As atitudes dos jovens de Ladakh a Lisboa, da China ao Peru, enfim nos quatro cantos do mundo estão semelhantes, seja no uso do jeans, no penteado, nos mesmos gostos para música, nos hábitos alimentares ou em relação à sexualidade, ao divórcio e ao aborto. Também romperam as fronteiras e tornaram-se crimes globais o trafico de drogas, o abuso e a violência sexuais, a fraude e a corrupção.
Contribuições culturais nesse processo de mundialização cultural não são prerrogativa de um só país, elas vêem dos quatro cantos do mundo e exercem grande pressão para penetrar outras culturas, à exemplo da cultura popular mundial na música, no cinema, na televisão, na moda. O perigo, entretanto, reside dessa expansão da cultura de massa popular, onde o tamanho e a escala dos meios de comunicação ditam o conteúdo a ser divulgado, muitas vezes em detrimento dos desejos e dos interesses das minorias, afetando assim não só o interesse das elites, mas dos homens e mulheres comuns. A diferença deve residir na diversidade e a oportunidade para que uma ampla gama de vozes possa ser ouvida no público mundial.
Porém, "a impressão de uniformidade global é ilusória". A mundialização é, em si, uma processo desigual e assimétrico: não reduz as incertezas, as inseguranças e a entropia do sistema mundial. No mundo pós-guerra-fria, a consciência dessa realidade tem gerado algumas reações contra os padrões uniformizados de informação e de consumo que são muitas vezes mal aceitos, principalmente na Europa Central e Oriental. Os povos voltam-se para a cultura como um meio de autodeterminação e de mobilização, e reafirmam seus valores culturais locais. Assim como os mais pobres, onde seus valores culturais são muitas vezes o único bem que eles possuem, sua identidade, continuidade e sentido de vida.
É, uma reação contra os efeitos alienantes da moderna tecnologia de larga escala e da distribuição desigual dos benefícios da industrialização, e, uma preocupação como a perda de identidade, do sentido de comunidade e dos valores pessoais advindos do desenvolvimento.
O caráter dinâmico e evolutivo da Cultura e seu papel de indenidade provocam conflitos, pois muitos grupos desejam retornar as suas tradições antigas ou mesmo mantê-las na forma de um retorno ao tribalismo, ao passo que muitas pessoas desejam participar da "modernidade" dentro de suas próprias tradições. Assim, alguns aspectos tradicionais merecem ser preservados integralmente, na medido em que podem, como outros, ter um papel instrumental no processo de desenvolvimento econômico. Outros aspectos evoluirão para adaptar-se ao mundo em evolução e outros serão implantados de fora. Tradição pode significar às vezes estagnação, opressão, inércia, privilégios e práticas cruéis; modernização, por seu turno, pode significar alienação, anomia, exclusão e perda de identidade e do sentido de comunidade.


Quando falamos em civilização mundial, o que temos em mente não é um único período histórico nem um único grupo de homens: empregamos o conceito abstrato, ao qual atribuímos um significado moral ou lógico. Moral, se pensarmos em objetivos perseguidos pelas sociedades existentes; lógico, se usarmos a noção para designar os traços comuns encontrados na análise de diferentes culturas. Tanto em um caso como em outro, não podemos fechar os olhos para o fato de que o conceito de civilização mundial é muito esquemático e imperfeito, e que se conteúdo intelectual e emocional é fraco. Tentar avaliar todas as contribuições culturais acumuladas durante vários séculos tão ricos em pensamentos, sofrimentos, esperanças e no trabalho criador de homens e mulheres, tendo como única referência a noção ainda vaga de civilização mundial, seria empobrecê-la sobremaneira, esvaziando-as de seu sangue e nada deixando senão ossos.
A verdadeira contribuição de uma cultura consiste não na lista de invenções produzidas por indivíduos, mas na sua originalidade em relação às outras. O sentido de gratidão e de respeito que todo membro de uma determinada cultura ode e deve sentir em relação às outras deve estar baseado na convicção de que as outras culturas de distinguem de sua própria de várias maneiras, mesmo se a verdadeira essência das diferenças lhe escapa, ou a despeito de seus melhores esforços, ele só pode compreendê-las de forma apenas imperfeita.
Portanto, a noção de civilização mundial só pode ser aceita como um tipo de conceito-limite, ou como uma forma esquemática de designar um processo altamente complexo. Não há, nem haverá, uma civilização mundial no sentido absoluto em que esse termo é usado, pois a civilização implica a coexistência de culturas dotadas de um vasto espectro de diversidade; na verdade, a civilização consiste nessa coexistência. Uma civilização mundial poderia, de fato, representar simplesmente uma coalizão de culturas em escala mundial, cada uma das quais preservaria sua própria originalidade.
Claude Lévi-Strauss

O PATRIMÔNIO CULTURAL A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO
O patrimônio tangível e o patrimônio intangível.
As riquezas herdadas por nossa geração, e, de nossa responsabilidade na transmissão para as futuras gerações, constituem-se de recursos culturais tangíveis e intangíveis e são essencialmente não renováveis. Trata-se da memória coletiva e de identidade de comunidades de todo o mundo. A proteção desse patrimônio cristalizou-se primeiro nos bens tangíveis (monumentos e sítios históricos), sendo estes os principais beneficiários da noção de preservação do patrimônio. Entretanto o patrimônio intangível não teve a mesma sorte. A idéia de patrimônio em toda parte conforma-se a um único modelo dominado por critérios estéticos e históricos, privilegiam a elite e o masculino; merecem atenção e respeito o monumental em detrimento do simples, o literário em detrimento do oral, o cerimonial em detrimento do cotidiano, o sagrado em vez do profano. Somente por meio da preservação dos elementos intangíveis é possível considerar as culturas autóctones de uma perspectiva histórica.
Há um sentimento dos que consideram o patrimônio cultural e natural, em todos os seus aspectos, não tem sido utilizado e valorizado de forma ampla e efetiva como poderia, nem tem sido gerido com a devida sensibilidade. Embora pareça haver um investimento cada vez maior no "futuro do passado", existe um diferença entre a retórica e a prática, principalmente quando se trata de avaliar o que tem sido efetivamente preservado, e em que estado. Na medida que o conceito de patrimônio amplia-se com novas categorias, numa espécie de inflação, há mais o que preservar a também há mais problemas a serem geridos. A questão que se apresenta tem haver com as possibilidades finitas e trata especificamente de como proceder escolhas e quem decide? Sabendo que o dinheiro e a energia poderiam ser empregados para satisfazer as necessidades básicas das pessoas levanta outras questões: O que deve ser preservado e a quem cabe decidir? Quais serão os critérios? Estarão sendo observados e reconhecidos as necessidades específicas do diversificado patrimônio cultural e natural?

Patrimônio cultural e economia: Vantagens e armadilhas
A preservação histórica, já nos anos 70, foi uma das primeiras áreas culturais a receber recursos financeiros por ser um setor que se justificava economicamente. A reutilização dos centros históricos, após readaptados, freqüentemente como museus, foi considerada eficiente em termos de custo-benefícios. A idéia de "conservação com desenvolvimento", encontrou adesão em todo o mundo e ganhava legitimidade teórica e prática. Porém essa união entre oportunidades econômicas desvinculadas dos sistemas de valores representados pela conservação, não foram muito felizes. A conservação não poderia ser bem-sucedida se as relações entre espaço construído e fatores como a qualidade da infra-estrutura urbana, a propriedade do solo urbano, o crescimento e a densidade demográfica, a disponibilidade de habitações, a saúde e a pobreza urbana não forem levados em consideração.
Uma abordagem de "cima para baixo", um planejamento urbano imposto por estruturas burocráticas, criadas ainda no período colonial, onde a ênfase dessa instituições era sepultar o passado. Em conseqüência, o distanciamento dessas instituições com o povo gerou um hiato até hoje observado. O patrimônio assim, é considerado propriedade do Estado e não do povo. Os recursos escassos do estado relegam, então, esses patrimônios ao quase esquecimento, apresentado diversos estados de conservação, quando não são invadidos por populações "sem-teto" ou comerciantes irregulares. Já os patrimônios não tombados freqüentemente vão a ruína total.
O pós independência e o flagelo do paradigma modernista na arquitetura e no urbanismo conduziu a demolição de trechos inteiros das cidades pré-coloniais. O recife não foi exceção.
Nem o sentimento nacional, tampouco a iniciativa privada aproximaram-se da idéia de patrimônio histórico como fonte de identidade, em contrário, o hiato fora acentuado.
Abordagens populares sobre o assunto têm gerado experiências de desenvolvimento comunitário e melhoria da qualidade de vida em níveis economicamente realistas e tecnicamente apropriados. Novas instituições têm auxiliado as comunidades locais a gerir a conservação cultural. O retorno mais durável do investimento não tem sido financeiro e sim educacional e social. O custo preservação de patrimônio histórico em áreas de grande pobreza enfrenta dificuldades de justificação orçamentária. Nesse aspecto está sendo de grande importância o papel das organizações não governamentais, muitas vezes melhor sucedidas na captação de recursos externos.
O turismo, no seu turno, está se tornando rapidamente a maior industria mundial, e é no patrimônio cultural que ele encontra grande parte de sua força vital. A simbiose desses conceitos conduz ao surgimento da conhecida "industria do patrimônio, o que gera certa preocupação pela possibilidade do patrimônio cultural vir a se tornar um bem a serviço do turismo, degradando-o e dilapidando-o. Muitos já são os casos de efeitos catastróficos na conservação e ao tecido social e ambiental de vários sítios em função do número excessivo de turistas.

A identificação e a interpretação.
A reavaliação do que se define hoje como patrimônio em diferentes culturas, em termos de seu uso, de proteção e de manutenção, faz-se urgentemente necessário, visto que nenhum quadro conceitual pode ser aplicado a todas as diferentes condições locais, bem como, não existe nenhum método científico que se apoie na experiência existente e nos novos conhecimentos adquiridos para conservar e restaurar patrimônios geoculturais distintos. O simples fato, por exemplo, de definir uma construção dotada de patrimônio histórico ou cultural, implica coloca-la uma pouco à parte da vida cotidiana que se apresenta no palco do ambiente construído, porém muito distante da elite, cultural e topograficamente, contribuindo para a decadência do contexto físico e social onde se encontram esses elementos. Em outras palavras a definição de conservação de um patrimônio  carece de uma identificação apropriada de suas arquitetura com base na família estilística a qual pertence, e do manuseio sensível dos elementos dentro de seu quadro.
A identificação e a interpretação do patrimônio passa, então por, por uma série de intermediários entre o Estado e o público e incluem universidades e institutos de pesquisa capazes de fornecer conhecimento científico e compreensão do significado do patrimônio. A igreja também é peça importante nessa identificação, pois é parte de um culto vivo, e a consciência da dimensão religiosa é necessária para que o apoio social seja adequadamente  mobilizado. Esse conhecimento é necessário para que o objeto não seja desviado do seu contexto, o que levaria a uma compreensão incompleta do objeto. O tangível somente pode ser interpretado pelo intangível, entretanto a retórica e a prática internacionais tem limitado o patrimônio a dimensão tangível.
De fato, nos  atos políticos de evocação aberta as complexidades das provas culturais tendem a concentrar-se exclusivamente em objetos altamente simbólicos em detrimento de formas populares de expressão cultural ou da verdade histórica, condensando e simplificando de forma radical a realidade.
Talvez esses símbolos só sejam importantes se as ideologias políticas forem utilizadas para causas justas como instrumento de libertação da opressão, em vez de serem, como são, freqüentemente utilizados para resgatar direitos legítimos para uns, e negá-los a outros.
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Consumo dos espaços históricos. Bairro do Recife x Pelourinho

Natália Vieira, Pernambuco

Depois de uma busca desenfreada por símbolos de modernidade, parece ocorrer uma espécie de pânico pela falta de memória das cidades. Além disso, não se pode ignorar a presença marcante da Indústria Turística, hoje celebrada como a grande solução para os nossos problemas econômicos.
Cidades inteiras vêm se transformando com o objetivo de atrair turistas, levando a uma sensação de estranhamento dos antigos moradores ao transformar tudo em espetáculo. O turista passa a ser um espectador passivo, quase sempre tratado como mero consumidor. Os pacotes turísticos são uma evidência disto ao controlar e delimitar todas as ações do turista, que acaba não percebendo a identidade do lugar.
Assim, na competitividade entre cidades característica do mundo globalizado, a História passa a ser mercadoria de alto valor, procurada por ávidos consumidores de "cultura". A conseqüência disto nem sempre é a preservação da memória, mas a criação de locais pretensamente históricos como revitalizações que transformam centros históricos em "shoppings a céu aberto", ou seja, parques temáticos que fazem de nossas cidades verdadeiras Disneylândias.
O marketing realizado pelos estados e municípios utiliza-se de ferramentas como a estética urbana e a identidade cultural local para auxiliar na venda do seu produto: a cidade. Vendendo ao país inteiro através da mídia a idéia do "progresso" e "modernidade", os governantes conseguem aumentar sua popularidade e obtêm importantes dividendos políticos, sem atacar de frente as mais urgentes questões sociais. A maquiagem parece funcionar melhor.
É preciso, então, buscar uma efetiva preservação da memória, não se permitindo a transformação de lugares da cidade em "não-lugares" que poderiam estar em qualquer parte do mundo. O que caracteriza um lugar são suas bases regionais, sua população e a relação com o restante da cidade A dificuldade está em conseguir a real preservação dentro deste contexto.
Experiências como a revitalização do Bairro do Recife demonstram grandes avanços. Infelizmente, exemplos como a recuperação do Pelourinho vêm tendo muito mais espaço na mídia, que o apresenta como modelo a ser seguido. O que se observa é um bem sucedido marketing político, pois os comentários constantemente publicados sobre o Pelourinho são, em sua maioria, superficiais e carentes de postura crítica. Não se comenta, por exemplo, sobre a expulsão "disfarçada" da população local a custos baixíssimos. Estudos acadêmicos também já provaram que o alardeado "sucesso turístico extraordinário" é muito mais folclore do que realidade.
O caso do Bairro do Recife demonstra uma nova postura frente à história sem negar a necessidade de dar valor de mercado ao espaço. No Bairro do Recife, o processo é lento e gradual, possuindo maiores condições de sustentabilidade. Ao lado dos 2,7 milhões de reais investidos pela prefeitura, a iniciativa privada investiu 2,8 milhões, entre 1994 e 1996, demonstrando uma forte parceria. À medida que diversos atores se envolvem no processo, ninguém tem interesse que o projeto dê para trás.
No Pelourinho o processo é unilateral e até hoje mantido às custas dos cofres do Estado, que financia inclusive a programação de shows nos diversos palcos armados. Já que tudo que acontece lá é conseqüência de um investimento alto e permanente do Estado, a situação é artificial e será mantida enquanto o Estado puder financiá-la.
Atualmente, o Bairro do Recife é um dos lugares da cidade mais freqüentados à noite. É certo que faltam atividades que lhe dêem mais vida durante o dia, apesar de já existirem escritórios, bancos, livraria, cursos... Para não se tornar uma obra de fachada, como parece ser o caso do Pelourinho, o projeto do Bairro do Recife deve se concentrar em problemas substanciais como o estímulo ao uso residencial e o tratamento do pólo Pilar, área de maiores problemas sociais do Bairro e que, exatamente por isso, deve ser priorizada. Sendo assim, a revitalização do Bairro do Recife encontra-se em um ponto crucial, a partir do qual pode tanto confirmar sua opção pelo bem-estar da cidade quanto render-se às forças do mercado, continuando a investir apenas nas áreas de retorno imediato.
É inegável que os espaços necessitam de valor de uso para que sejam conservados, mas estes usos e esta vida não podem ser artificiais. Muitos estudos críticos alertam para a falta de vida de verdade da nossa sociedade, mas grande parte da população é seduzida por este processo de construção de cenários sem perceber a superficialidade disso tudo. Entre teoria e prática também existe uma longa distância; mesmo depois de perceber essa artificialidade, quem está disposto a se arriscar na vida de verdade, a não ser quem não tem a opção de participar da vida artificial?
Natália Miranda Vieira - arquiteta formada pela UFPE, atualmente matriculada no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, estando em fase de elaboração da dissertação de mestrado intitulada "O lugar da história e da memória na cidade contemporânea - estudo de caso comparado: revitalização do Bairro do Recife x revitalização do Pelourinho"

Consumo dos espaços históricos. Bairro do Recife x Pelourinho

Natália Vieira, Pernambuco

Depois de uma busca desenfreada por símbolos de modernidade, parece ocorrer uma espécie de pânico pela falta de memória das cidades. Além disso, não se pode ignorar a presença marcante da Indústria Turística, hoje celebrada como a grande solução para os nossos problemas econômicos.
Cidades inteiras vêm se transformando com o objetivo de atrair turistas, levando a uma sensação de estranhamento dos antigos moradores ao transformar tudo em espetáculo. O turista passa a ser um espectador passivo, quase sempre tratado como mero consumidor. Os pacotes turísticos são uma evidência disto ao controlar e delimitar todas as ações do turista, que acaba não percebendo a identidade do lugar.
Assim, na competitividade entre cidades característica do mundo globalizado, a História passa a ser mercadoria de alto valor, procurada por ávidos consumidores de "cultura". A conseqüência disto nem sempre é a preservação da memória, mas a criação de locais pretensamente históricos como revitalizações que transformam centros históricos em "shoppings a céu aberto", ou seja, parques temáticos que fazem de nossas cidades verdadeiras Disneylândias.
O marketing realizado pelos estados e municípios utiliza-se de ferramentas como a estética urbana e a identidade cultural local para auxiliar na venda do seu produto: a cidade. Vendendo ao país inteiro através da mídia a idéia do "progresso" e "modernidade", os governantes conseguem aumentar sua popularidade e obtêm importantes dividendos políticos, sem atacar de frente as mais urgentes questões sociais. A maquiagem parece funcionar melhor.
É preciso, então, buscar uma efetiva preservação da memória, não se permitindo a transformação de lugares da cidade em "não-lugares" que poderiam estar em qualquer parte do mundo. O que caracteriza um lugar são suas bases regionais, sua população e a relação com o restante da cidade A dificuldade está em conseguir a real preservação dentro deste contexto.
Experiências como a revitalização do Bairro do Recife demonstram grandes avanços. Infelizmente, exemplos como a recuperação do Pelourinho vêm tendo muito mais espaço na mídia, que o apresenta como modelo a ser seguido. O que se observa é um bem sucedido marketing político, pois os comentários constantemente publicados sobre o Pelourinho são, em sua maioria, superficiais e carentes de postura crítica. Não se comenta, por exemplo, sobre a expulsão "disfarçada" da população local a custos baixíssimos. Estudos acadêmicos também já provaram que o alardeado "sucesso turístico extraordinário" é muito mais folclore do que realidade.
O caso do Bairro do Recife demonstra uma nova postura frente à história sem negar a necessidade de dar valor de mercado ao espaço. No Bairro do Recife, o processo é lento e gradual, possuindo maiores condições de sustentabilidade. Ao lado dos 2,7 milhões de reais investidos pela prefeitura, a iniciativa privada investiu 2,8 milhões, entre 1994 e 1996, demonstrando uma forte parceria. À medida que diversos atores se envolvem no processo, ninguém tem interesse que o projeto dê para trás.
No Pelourinho o processo é unilateral e até hoje mantido às custas dos cofres do Estado, que financia inclusive a programação de shows nos diversos palcos armados. Já que tudo que acontece lá é conseqüência de um investimento alto e permanente do Estado, a situação é artificial e será mantida enquanto o Estado puder financiá-la.
Atualmente, o Bairro do Recife é um dos lugares da cidade mais freqüentados à noite. É certo que faltam atividades que lhe dêem mais vida durante o dia, apesar de já existirem escritórios, bancos, livraria, cursos... Para não se tornar uma obra de fachada, como parece ser o caso do Pelourinho, o projeto do Bairro do Recife deve se concentrar em problemas substanciais como o estímulo ao uso residencial e o tratamento do pólo Pilar, área de maiores problemas sociais do Bairro e que, exatamente por isso, deve ser priorizada. Sendo assim, a revitalização do Bairro do Recife encontra-se em um ponto crucial, a partir do qual pode tanto confirmar sua opção pelo bem-estar da cidade quanto render-se às forças do mercado, continuando a investir apenas nas áreas de retorno imediato.
É inegável que os espaços necessitam de valor de uso para que sejam conservados, mas estes usos e esta vida não podem ser artificiais. Muitos estudos críticos alertam para a falta de vida de verdade da nossa sociedade, mas grande parte da população é seduzida por este processo de construção de cenários sem perceber a superficialidade disso tudo. Entre teoria e prática também existe uma longa distância; mesmo depois de perceber essa artificialidade, quem está disposto a se arriscar na vida de verdade, a não ser quem não tem a opção de participar da vida artificial?
Natália Miranda Vieira - arquiteta formada pela UFPE, atualmente matriculada no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, estando em fase de elaboração da dissertação de mestrado intitulada "O lugar da história e da memória na cidade contemporânea - estudo de caso comparado: revitalização do Bairro do Recife x revitalização do Pelourinho"

Condição Pós Moderna

(David Harvey) Por: Marcos Vinicius Simão


Resenha

Parte II – A transformação político-econômica do capitalismo do final do século XX
Introdução
Transformações e sinais de modificações radicais no processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes de práticas do Estado. Estas modificações de conceitos, marcam a transição do regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele associado e descreve a estabilização da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação, implicando alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de reprodução de assalariados.
Materializa o regime de acumulação, formando normas, hábitos, leis, redes de regulamentação etc. Estas regras tomam nome de modo de regulamentação.
Divididos em duas áreas de dificuldades num sistema econômico capitalista a serem negociadas com sucesso para que o sistema permaneça viável. Sendo a primeira a fixação de preço e a segunda o emprego da força de trabalho e garantia da adição do valor na produção.
A fixação de preço, controlados pelos produtores que coordena as decisões de produção de acordo com as necessidades do consumidor, o que não garante a um crescimento estável do capitalismo, sendo necessário regulamentações e intervenções do Estado para compensar a falhas do mercado (dados a meio ambiente e social).
As pressões exercidas pelo estado e outras instituições  (religiosas, políticas, patronais e culturais) e outras de domínio do mercado pelas grandes corporações afetam de forma vital a dinâmica do capitalismo. Podendo ser diretas (imposição de salários e preços) ou indiretas (propaganda subliminar e incorporação de novos conceitos de necessidade e desejos básicos da vida).
A segunda arena de dificuldades concerne a conversão da capacidade das pessoas de realizarem um trabalho num processo produtivo que possam ser apropriados pelos capitalistas. Todo trabalho requer concentração, autodisciplina, familiarização com o processo de transformação de matéria prima em produto acabado. Entretanto, o trabalho assalariado põe boa parte do conhecimento e processo decisório a parte do controle das pessoas que de fato executam o trabalho, envolvendo sempre alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação advindas da educação, treinamento, persuasão e mobilização de certos sentimentos sociais que, estão imbuídos de conceitos como a ética do trabalho, lealdade aos companheiros, orgulho local e nacional - propensões psicológicas – a busca da identidade através do trabalho, etc. Todos claramente presentes na formação das ideologias dominantes cultivadas pelos vários setores do aparelho do Estado, meios de comunicação de massa, instituições religiosas e educacionais.
Aqui o “modos de regulamentação” trata os problemas da força do trabalho para propósitos da acumulação do capital, que vai de 1945 a 1973, formado por um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico que pode ser chamado de fordismo-keynesiano. A partir de 1973 os novos sistemas de produção e marketing, caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo marcam um período de rápidas mudanças de fluidez e incertezas. No entanto não está claro que os novos sistemas garantam um novo regime de acumulação nem se o renascimento do empreendimento e do neoconservadorismo, associado a virada cultural para o pós-modernismo, garanta o título de um novo modo de regulamentação.
Não se pode confundir mudanças efêmeras com mudanças profundas, mas há fortes sinais de mudanças nas práticas político-econômicas da atualidade e as do período de expansão do pós-guerra, suficientes para justificas a hipótese de uma passagem do fordismo para o que poderia ser chamado de regime de acumulação flexível.

O fordismo

Distingui do taylorismo, que, descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento, pela reconhecimento explícito a produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma uma nova sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder corporativo. Dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa.
Porém para que estes conceitos fossem aceitos era necessário romper; primeiro com as relações de classe no mundo capitalista que dificilmente aceitariam um sistema de produção que se apoiavam tanto na familiarização do trabalhador com longas horas de trabalho puramente rotinizado, exigindo pouco das habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle quase inexistente ao trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a organização do processo produtivo; segundo, foi necessário conceber um novo modo de regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista. Foi preciso o cheque da depressão selvagem e do quase-colapso do capitalismo na década de 30 para que as sociedades capitalistas chagassem a alguma nova concepção da forma e do uso dos poderes do Estado. Este último só foi resolvido  depois de 1945, levando o fordismo a maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo, permanecendo assim, mais ou menos intacto até 1973.    
Para compreender este período, iniciado no pós-guerra e transição ocorrida a partir de 1973, é necessário saber como o fordismo se associou ao keynesianismo para levar o capitalismo a um surto de expansões internacionalistas que atraiu para sua rede inúmeras nações descolonizadas.
A ascensão das industrias baseadas em tecnologias amadurecidas se tornaram os propulsores do crescimento econômico, concentrando-se numa série de regiões de grande produção da economia mundial. Outra coluna estava na reconstrução patrocinada pelo Estado de economias devastadas pela guerra. Coordenados por centros financeiros interligados, tendo como ápice da hierarquia os Estados Unidos e Nova Iorque, regiões chave da economia mundial não comunista que buscavam dominar o mercado mundial de massa crescentemente homogêneo com seus produtos.
O estado teve de assumir novos papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de se ajustar para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. O equilíbrio de poder que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base de poder da expansão de pós-guerra, não foi alcançado por acaso. A derrota dos movimentos operários radicais que ressurgiram no período pós-guerra  imediato, por exemplo, preparou o terreno político para os tipos de controle do trabalho e de compromisso que possibilitaram o fordismo.
Mas há registros de súbitas irrupções de descontentamento, mesmo entre os trabalhadores afluentes, para sugerir que isso pode ser mais uma adaptação superficial do que uma reformulação total das atitudes dos trabalhadores com respeito à produção em linha de montagem. O problema perpétuo do trabalho rotinizado.
O fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que como um modo de vida total. Produção em massa significa padronização do produto e consumo de massa. O fordismo também se apoiou na, e contribuiu para a, estética do modernismo.
Assim a expansão internacional do fordismo ocorreu numa conjuntura particular  de regulamentação político-econômico mundial e uma configuração geo-política em que os Estados Unidos dominavam por meio de um sistema bem distinto de alianças militares e relação de poder.
Nem todos, entretanto, eram atingidos pelos benefícios do fordismo, havendo sinais abundantes de insatisfação. As desigualdades geravam movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a raça, o gênero e a origem étnica costumavam determinar quem tinha ou não acesso ao emprego privilegiado. Acrescenta-se a isso todos os insatisfeitos do Terceiro Mundo, com um processo de modernização que prometia desenvolvimento, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo, mas que, na prática, promovia a destruição de culturas locais, muita opressão e numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos insignificantes no padrão de vida e de serviços públicos.
A despeito de todos os descontentamentos e de todas as tensões manifestas, o regime permaneceu estável até mais ou menos 1973, quando então a aguda recessão daquele ano abalou o quadro e um rápido processo de transição do modelo de acumulação teve início, apesar de, ainda, não ser bem entendido.

Do fordismo à Acumulação Flexível
Já nos meados da década de 60 haviam indícios de problemas sérios no fordismo. A recuperação da Europa e Japão demandava mercados externos, visto a saturação interna, num período em que o sucesso da racionalização fordista deslocava um número cada vez maior de trabalhadores da manufatura. O problema fiscal dos USA solapara o papel do dólar. A formação do eurodólar, a contração do crédito no período 1966-1997 eram sinais da redução do poder norte-americano de regulamentação do sistema financeiro internacional. Época em que as políticas de substituição de importações em muitos países de Terceiro Mundo geraram uma onda de industrialização fordista competitiva em ambientes inteiramente novos, nos quais o contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente.
O período de 1965 a 1973 tornou evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Dificuldades apreendidas por uma palavra: rigidez. Rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção de massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Rigidez na alocação e nos contratos de trabalho o que explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972. Rigidez dos compromissos do Estado foi se intensificando à medida  que programas de assistência  aumentavam sob pressão para manter a legitimidade  num momento  em que a rigidez na produção restringia expansão da base fiscal para gastos públicos. O único instrumento de resposta flexível estava  na política monetária, na capacidade de imprimir moeda para manter a economia estável. Começou assim a onda inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra.
A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente, retirou o mundo capitalista do sufocante estado de estagflação e pôs em movimento  um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista, representando o primeiro ímpeto da passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta. Trata-se da acumulação flexível. Marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo e apoiada na flexibilidade dos processos de trabalho, nos processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual,  tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando um vasto movimento de emprego no chamado setor de serviços, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas.
O aumento do poder de flexibilidade permite aos empregadores exercer maior pressão de controle do trabalho sobre uma força de trabalho já enfraquecida por dois surtos de deflação. A acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista. Mais importante é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratação.
As transformações no mercado de trabalho trouxe mudanças de igual importância na organização industrial, a subcontratação permitiu o surgimento de oportunidades para a formação de pequenos negócios, e em alguns casos, permite que sistemas mais antigos de trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista revivam e floresçam, mas agora como peças centrais, e não apêndices de sistemas produtivos, porém, representando coisas diferentes em diferentes lugares.
Campo perigoso, com efeito, uma das grandes vantagens do uso dessas formas antigas de processo de trabalho e de produção pequeno-capitalista é o solapamento da organização da classe trabalhadora e a a transformação da base objetiva da luta de classes. Nelas, a consciência de classe já não deriva da clara relação de classe entre capital e trabalho, passando para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema de parentesco ou semelhantes a um clã que contenha relações sociais hierarquicamente ordenadas.
Estas novas formas organizadas de produção, entretanto, colocaram em risco os negócios de organização tradicional, espalhando uma onda de quebradeira que ameaçou até as instituições mais poderosas. É a economia de escopo derrotando a economia de escala. Entretanto, o incremento da capacidade de dispersão geográfica de produção em pequena escala e de busca de mercados de perfil específico não levou necessariamente a diminuição do poder corporativo na medida em que as corporações bem organizadas tem evidentes vantagens competitivas sobre os pequenos negócios.
Num dos extremos da escala de negócios, a acumulação flexível levou a maciças fusões e diversificações corporativas. Muitos dos empregados das 500 maiores companhias norte-americanas hoje trabalham em linhas de atividades sem relação alguma com alinha primária de negócios com que a sua empresa esta identificada. O mais interessante  na situação atual é a forma como o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho e nos mercados de consumo, tudo isto acompanhado por pesadas doses de inovações tecnológicas, de produto institucional.
O acesso ao conhecimento científico e técnico sempre teve importância na luta competitiva; mas, também aqui, podemos ver uma renovação de interesse e de ênfase, já que, num mundo de rápidas mudanças de gostos e necessidades e de sistemas de produção flexíveis, o conhecimento da última técnica, do mais novo produto, da mais recente descoberta científica, implica a possibilidade de alcançar uma importante vantagem competitiva.
A desregulamentação do sistema financeiro, admitido explicitamente pela primeira vez pelo Relatório da Comissão Hunt norte-americana, veio como condição de sobrevivência e expansão do sistema econômico capitalista, após o trauma de 1973. Por volta de 1986, abrangeu todos os centros financeiros do mundo num sistema integrado, coordenado pela telecomunicações instantâneas introduzindo o tempo futuro no tempo presente.

Teorizando a transição
A transição do fordismo para a acumulação flexível evocou sérias dificuldades para as teorias de todas as espécies mas há o consenso de que alguma coisa significativa mudou no modo de funcionamento do capitalismo a partir de mais ou menos 1970. Algumas visões das mudanças examinadas  enfatiza os elementos positivos  e liberatórios do novo empreendimentismo Halal (1986), outro acentua as relações de poder e a política com relação à economia e à cultura Lash e Urry (1987), o terceiro fornece mais detalhes sobre transformações no campo da tecnologia e do processo de trabalho, ao mesmo tempo que avalia como o regime de acumulação e suas modalidades de regulamentação se transformaram Swyngedouw (1986). Todos dão relevo as diferenças não às continuidades e a oposição é usada apenas como artifício didático. Contudo a acumulação flexível, continua a ser uma forma de capitalismo, podendo-se assim, esperar que algumas proposições básicas se mantenham.
O capitalismo é orientado para o crescimento. Pouco importa as conseqüências sociais, políticas, geopolíticas ou ecológicas, na medida em que a virtude é que o crescimento é tanto inevitável como bom. A crise é definida, em conseqüência, como falta de crescimento.
O crescimento se apoia na exploração do trabalho vivo na produção. O crescimento sempre se baseia na diferença ente o que o trabalho obtém e aquilo que cria. O capitalismo está fundado numa relação de classe entre capital e trabalho. Como o controle do trabalho +e essencial para o lucro capitalista, a dinâmica da luta de classes pelo controle do trabalho e pelo salário de mercado é fundamental para a trajetória do desenvolvimento capitalista.
O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. A mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classe, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho. Se o controle do trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma questão mais ampla do ponto de vista do modo de regulamentação, a inovação organizacional e tecnológica no sistema regulatório se torna crucial para a perpetuação do capitalismo. Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de que o “progresso” é tanto inevitável como bom.
Marx demostrou que estas três condições necessárias do modo capitalista de produção era inconsistente e contraditório e propenso a crises de superacumulação, definida como a condição de poder existir, ao mesmo tempo, capital ocioso e trabalho ocioso sem nenhum modo aparente de se unir estes recursos para o atingimento de tarefas socialmente úteis. A superacumulação é, então, uma tendência que nunca pode ser eliminada do capitalismo.
Heroicamente a vida e a política burguesa expressa que devem ser feitas escolhas para que a ordem social não se transforme em caos.
Desvalorização de mercadorias, de capacidade produtiva, do valor do dinheiro. Em termos simples, desvalorização significa a “baixa” ou “cancelamento” do valor de estoques excedentes de bens ou a erosão inflacionária do poder do dinheiro. A força de trabalho também pode ser desvalorizada e até destruída.
O controle macroeconômico, por meio da institucionalização de algum sistema de regulação, pode conter o problema da superacumulação, talvez por um considerável período de tempo. Mas foi necessário uma grande crise de superacumulação para ligar a produção fordista a um modo keynesiano de regulamentação estatal antes de se poder garantir alguma espécie de crescimento macroeconômico estendido e equilibrado.
A absorção da superacumulação por intermédio  do deslocamento temporal e espacial oferece um terreno mais rico e duradouro, mas também muito mais problemático. O deslocamento temporal envolve seja um desvio de recursos da necessidades atuais para a exploração de usos futuros, seja uma aceleração do tempo de giro para que a aceleração de um dado ano absorva a capacidade excedente do ano anterior. O deslocamento espacial compreende a absorção pela expansão geográfica do capital e do trabalho excedente. Os deslocamentos tempo-espaciais têm um duplo poder no tocante à absorção do problema da superacumulação, particularmente na medida em que a formação do capital fictício é essencial ao deslocamento temporal e espacial. Emprestar dinheiro a América Latina para a construção de infra-estrutura de longo prazo ou para a compre de bens de capital que ajudem a gerar produtos por muitos anos é uma forma típica e forte de absorção da superacumulação.
Foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o regime fordista de acumulação resolveu o problema da superacumulação no decorrer do longo período de expansão do pós-guerra. A crise do fordismo pode ser, então, interpretada até certo ponto com o esgotamento das opções para lidar com o problema da superacumulação. A solução. A monetarização, disparou-se a inflação, fazendo com que o endividamento perdesse drasticamente seu valor real.
Criou-se novos centros geográficos de acumulação – o sul e o oeste dos EUA,  a Europa e o Japão – seguido de países recém industrializados. A competição espacial aumentou ainda mais, em particular a partir de 1973 a medida  que se esgotava a capacidade de se resolver o problema da superacumulação por meio  do deslocamento geográfico.  Aqui, a acumulação flexível parece enquadrar-se como uma recombinação simples das duas estratégias de procura de lucro definidas por Marx chamadas de mais-valia absoluta e mais-valia relativa. A primeira apoia-se na extensão da jornada de trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora num dado padrão de vida e a segunda apoia-se na mudança organizacional e tecnológica é posta em ação para gerar lucros temporários para firmas inovadoras e lucros mais generalizados com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalho.
O desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedente de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégias absolutas de extração de mais valia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados. O inesperado é o modo como as novas tecnologias de produção e as novas formas coordenantes de organização permitiram o retorno dos sistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalistas que Marx tendia a supor que sairiam do negócio ou seriam reduzidos a condições de exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem intoleráveis sob o capitalismo.

Acumulação Flexível – transformação sólida ou preparo temporário?
Afirmou-se  haver uma imensa mudança na aparência superficial do capitalismo a partir de 1973, objeto de alguns debates que parecem originar três posições amplas.
A primeira é a de que as novas tecnologias abrem a possibilidade de uma reconstituição das relações das relações do trabalho e dos sistemas  de produção em bases sociais, econômicas e geográficas inteiramente distintas. Vê um paralelo entre a atual conjuntura e a vigente em meados do século passado, onde o capital de larga escala expulsaram os empreendimentos corporativos de pequena escala que tinham potencial de resolver o problema de organização industrial segundo linhas descentralizadas e democraticamente controladas. Mas há muitas coisas regressivas repressivas nas novas práticas. Este retorno de interesse aos negócios de pequena escala, de trabalho duro e mau pago estão, entretanto, desempenhando papel importante no desenvolvimento econômico do final do século XX.
A segunda vê a idéia da flexibilidade como um ”termo extremamente poderoso que legitima um conjunto de práticas políticas”, mas sem nenhuma fundamentação empírica ou materialista forte nas reais fases de organização do capitalismo do final do século XX. Há contestações dos fatos que sustentam a idéia  da flexibilidade nos mercados de trabalho e na organização do trabalho e conclui que a descoberta da força de trabalho flexível é parte de uma ofensiva ideológica que celebra a complacência e a eventualidade, fazendo-as parecer inevitáveis. Acredita-se que quem promove a idéia da flexibilidade contribui conscientemente ou não para um clima de opinião – uma condição ideológica – que enfraquece os movimentos da classe trabalhadora.
Estas críticas introduzem algumas correções importantes no debate. O argumento de que há um agudo perigo de se exagerar a significação das tendências de aumento da flexibilidade e da mobilidade geográfica, deixando-nos cegos para a força que os sistemas fordistas de produção implantados ainda têm, merece cuidadosa consideração. As conseqüências ideológicas a políticas da superacentuação da flexibilidade no sentido estrito das técnicas e de relações de trabalho são sérias o bastante para nos levar a fazer sóbrias e cautelosas avaliações do grau do imperativo da flexibilidade.
A terceira define o sentido no qual o uso a idéia de uma transição do fordismo para a acumulação flexível, situa-se em algum ponto entre esses dois extremos. A atual conjuntura se caracteriza por uma combinação de produção fordista altamente eficiente em alguns setores e regiões e de sistemas de produção mais tradicionais que se apoiam  em relações de trabalho “artesanais”, paternalistas ou patriarcais que implicam mecanismos bem distintos de controle do trabalho. A natureza e a composição da classe trabalhadora global também se modificaram, o mesmo ocorrendo com as condições de formação de consciência e de ação política.
Há inclinação de ver a flexibilidade conseguida na produção, nos mercados de trabalho e no consumo antes como um resultado da busca de soluções financeiras para as tendências de crise do capitalismo do que o contrário. Isto implicaria que o sistema financeiro alcançou um grau de autonomia diante da produção real sem precedentes na história do capitalismo, levando este último a uma era de riscos financeiros igualmente inéditos. A inovação nos sistemas financeiros parece ter sido um requisito necessário para superar a rigidez geral, bem como a crise temporal, geográfica e até política peculiar em que o fordismo caiu no final da década de 60.