IPHAN - Palácio da Soledade - Casa do Patrimônio

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TOMBAMENTO

José Maria Pinheiro Madeira
Professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)
1. Princípios Jurídicos do Tombamento
Quanto ao tombamento, no que concerne ao seu regime jurídico, todas as evidências o apontam à seara do direito público. Na verdade, não há como excluí-lo deste setor, porquanto é inadmissível ser o tombamento governado pelas normas do direito privado, com relações jurídicas distribuídas entre os sujeitos, no mesmo patamar. Importa então afirmar que o tombamento é restrição imposta ao direito de propriedade, regulado pelo Código Civil.
Tal delimitação se assenta na ordem constitucional, ou mais precisamente é efetuada na área do direto administrativo, conforme as peculiaridades do poder de polícia, exercido pela Administração Pública.
Pode-se então evidenciar que o tombamento se insere no âmbito de direito administrativo, uma vez que se arrima ao poder de polícia, instituto típico deste ramo jurídico. E como tão bem delineia o desenho jurídico de um instituto, Cretella Júnior, in Direito Administrativo Comparado, José Bushatsky Editor, São Paulo, p. 30, ensina que "é fixar-lhe uma a uma as características para integrá-lo de maneira precisa no sistema de direito a que pertence, estabelecendo-lhe um a um os pontos máximos e mínimos, de maneira científica, até configurar-lhe o lugar geométrico, ponto de partida para as devidas implicações ulteriores".
É óbvio que o regime jurídico de direito público tem suas próprias características - exorbitantes do direito comum -, que decorrem da posição de supremacia em que o poder público se encontra em relação ao particular, necessária para a consecução dos fins estatais.
Assim como a Administração têm prerrogativas, também têm restrições, sob pena de nulidade do ato administrativo e, em muitos casos, até mesmo de responsabilização a autoridade que o editou. Ou seja, entre as restrições, podemos citar o cumprimento dos princípios de moralidade administrativa e da legalidade, a publicidade dos atos administrativos, a realização de concursos para seleção de pessoal, e de concorrência pública, para a celebração de acordos com particulares. Todas essas exigências ou restrições a que está sujeita limita a sua atividade a determinados fins e princípios, ao mesmo tempo em que possui a prerrogativa da supremacia diante do particular.
Tanto as prerrogativas como as restrições a que estão sujeitas e que entre particulares não existem, constituem seu regime jurídico de direito público.
No âmbito do regime jurídico público, a servidão administrativa insere-se em prerrogativa da Administração Pública agindo com o poder de império que lhe permite onerar a propriedade privada com o direito real de natureza pública, sem obter previamente o consentimento do particular ou título expedido pelo Judiciário. Fundamenta-se, isto sim, na supremacia do interesse público sobre o privado.
Daí que a Administração deve respeitar as restrições decorrentes da lei ou dos princípios públicos que informam a sua atividade, não devendo ultrapassar aquilo que seja necessário e suficiente para os fins públicos, cujas metas pretendem atingir.
No tombamento, por assim dizer, todos os entes da federação podem efetuá-lo, mas o único problema é com respeito à legislação, já que a Carta Magna quando fala da competência para legislar - art. 23 da Constituição Federal -, diz da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos podem providenciar o tombamento, é o que diz o inciso III (exibir documentos, provas contundentes do valor histórico, artístico e cultural...).
Art. 24, inciso VII: compete à União, aos Estados, D. Federal legislar corretamente, porém, não fala dos Municípios.
Quanto à proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, de acordo com o inciso VII, percebe-se que o Município, em questão de competência, aparentemente, não teria condições de legislar. Mas, usando da mesma técnica, exatamente pelo que diz o artigo 30, encontramos: "compete ao Município, incisos I, II , legislar sobre assuntos de interesses locais e suplementar a Legislação Federal e Estadual no que couber e que podemos somar com o inciso IX que fala, apesar de parecer mais materialização e não legislação, mais vale promover a proteção do patrimônio histórico cultural local, observada a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual. O que significa que compete ao Município, com base no art. 30, incisos I, II e IX, legislar suplementarmente à Legislação Federal e Estadual.
Daí se conclui que todos os entes da Federação podem legislar e tombar, porquanto o art. 23 da Constituição diz textualmente: todos os entes da Federação.
Parafraseamos mestre Cretella Júnior, ao esclarecer este assunto, "o instituto do tombamento, embora tenha estreitas relações com o direito civil, é matéria de direito administrativo, sendo informado por motivos publicísticos. E por que? Porque há dois tipos de limitações ou restrições do direito de propriedade, as de direito privado, que tem por fim a compatibilidade do direito de cada proprietário com os direitos e com os interesses de outros sujeitos e, sobretudo, com os outros proprietários, as de direito público, que tem por objetivo a compatibilidade do direito do proprietário com os direitos subjetivos públicos do Estado"

2. Da obrigação de indenizar
Indenizar é um dos critérios apontados pelos doutrinadores para distinguir as servidões administrativas das limitações administrativas.
É óbvio que o critério não é absoluto, pois, como se verá, nem todas as servidões administrativas podem ser indenizáveis.
"Em princípio, o legislador, de acordo com o preceito geral estabelecido na Constituição sobre a proteção da propriedade, deve considerar dentro de tal proteção toda supressão da propriedade - total e parcial -, (e neste último conceito, compreendem-se aqueles desdobramentos do direto de propriedade), e em virtude disso também o direito a ser indenizado" (Rafael Bielsa, Derecho Administrativo, 1965, t.IV, p. 414). Contudo, em princípio, admite Bielsa, a indenização é pertinente "quando efetivamente se prova que o ´cumprimento´ da obrigação imposta pela lei causa um dano".
Zanobini - Corso di Diritto Amministrativo, 1968, IV/230 - esclarece que "a imposição de servidão confere direito à indenização pelo mesmo fundamento que na desapropriação, a saber, por determinar sacrifício ao direito de propriedade. Todavia, observa que não direito à indenização as servidões que, decorrendo diretamente da lei, atingem toda uma categoria de bens, assim como aquelas que têm origem em ato de liberalidade aquisitva",
Otto Mayer - Derecho Administrativo Alemán, 1951, t. III, ps. 285 e 286 - "admite o direito à indenização quando a servidão se imponha através de medidas individuais e da atividade da Administração Pública, determinando sacrifício especial a determinado prédio; não existe esse direito quando as servidões sejam constituídas diretamente por lei, a menos que esta preveja, expressamente, a indenização".
          In "Das Servidões Administrativas", RDP 5/27, de Ruy Cirne Lima: "a indenização é a regra no direito positivo brasileiro, por força do que estabelece o art. 1.558, nº II, do Código Civil, no qual se prevê o direitos dos credores sobre o valor da indenização, se a coisa obrigada, a hipoteca ou privilégio for desapropriada, ou submetida a servidão legal". Conclui, entretanto, que nem sempre "a legislação, de caso para caso, obedece ao princípio da indenização, na imposição da servidão administrativa. A inexistência de dano exterior às coisas obscurece, não raro, a diminuição patrimonial, decorrente da limitação da propriedade privada, em proveito, embora de outra pessoa certa e determinada, como é, aqui, o Estado".
Se a limitação for apenas no sentido de regular o exercício da propriedade, mediante normas restritivas de caráter geral, impostas no interesse público, não se justifica a indenização, uma vez que não se trata de restrição imposta a indivíduos determinados mas a toda uma coletividade; nesse caso, o sacrifício imposto a todos, é compensado por um benefício, também de ordem geral.
Isso ocorre com as servidões que não derivam diretamente da lei, mas exigem ato administrativo que, declarando a utilidade pública, individualize o prédio sobre o qual incidirá o ônus real. Exemplo: servidões que recaiam sobre o aproveitamento de quedas d´água, produção de energia elétrica, exploração de minas e jazidas etc.
Além desses casos, previstos em lei, a indenização será devida se o titular do prédio serviente demonstrar que efetivamente sofre particular diminuição patrimonial, causada pelo exercício da servidão.
Sem nenhuma intenção de lançar inovações, talvez se pudesse envidar a tentativa no sentido de buscar conciliação entre as duas posições, olhando o problema sob outra ótica, ou seja, considerando o tombamento, igualmente como limitação e servidão administrativa.
Nascido e evoluído a séculos, o estudo da servidão não cabe ao instituto do direito público e sequer ao direito privado, cabendo seu estudo à teoria geral do direito, se bem que constitua verdadeira categoria jurídica.
Pode ser definida, como forma categorial, a servidão como o direito real de gozo sobre coisa alheia, instituído em benefício de entidade diversa da sacrificada. Daí construir, por meio dessa forma genérica e abstrata, de um lado, o regime jurídico das servidões de direito privado, e de outro, o das servidões de direito público, correspondendo cada qual às conotações específicas e informando por princípios jurídicos próprios.
Traços característicos do regime jurídico da servidão administrativa:
1º- a instituição da servidão administrativa constitui prerrogativa estatal, que pode ser exercida pela administração, independentemente da vontade do particular e sem prévio título expedido pelo Judiciário;
2º - o seu fundamento é o princípio de autorização legislativa e, em alguns casos, da observância de determinadas formalidades, entre as quais a declaração de utilidade pública;
3º - o seu fundamento é o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular;
4º - dominante é a coisa afetada à realização de determinado fim de utilidade pública;
5º - o titular da servidão é o poder público ou quem dela receba delegação para esse fim;
6º - o beneficiário é o público em geral;
7º - não se extinguem por prescrição;
8º - são indenizáveis quando a lei assim o determine.

3. Limitação x servidão
No tombamento, a indenização, numa concepção totalmente especulativa, a princípio, quem sabe possa haver entendimento entre ambas, admitido que o instituto caracteriza-se como limitação, na exata medida em que seus efeitos se projetam diretamente sobre os direitos de propriedade, quando então, cinge e restringe, tão-só direito inafastavelmente personalista.
A limitação, na verdade, dirige-se da ordem pública para um jus carismado pela Constituição, como eminentemente individual, suscetível, porém, de ser afetado por restrições que possam atender o interesse social, necessariamente, sobreposto ao particular.
Em conformidade com esta idéia, a natureza jurídica do tombamento apresentaria todas as evidências do instituto da limitação.
O tombamento, por outro lado, mostra-se ainda com as conotações próprias da servidão administrativa, considerada esta como ônus real imposto pelo poder público, precisamente, sobre um bem.
Ao vocacionar o bem por ela atingido a um regime peculiar, a servidão administrativa cria certas condições de submissão, admitidas como imprescindíveis ao interesse social, de acordo com critérios formulados pela própria Administração.
Assim, do mesmo modo que a limitação, a servidão administrativa busca satisfazer o interesse público, mediante diversas providências que se traduzem, inclusive pelo tombamento.
Concomitantemente, o instituto se traveste como limitação e servidão administrativa, pelo fato de, ao mesmo tempo, ser visível em ambas situações, seguindo a linha de raciocínio que se vem expondo, e que nos faz entender o instituto como limitação e servidão.
Difícil isolar-se uma idéia da outra, em termos absolutos, porquanto serem os dois institutos jurídicos diversos e, imperiosamente, serem tratados diferentemente.
O tombamento atinge, primeira e únicamente, o direito de propriedade ou o próprio bem? Quanto ao direito de propriedade, não haveria dúvida de que ele deveria ser tido como limitação; se a este último, o próprio bem, mostrar-se-ia como servidão.
Tanto material como instantaneamente, ele alcança tanto um quanto outro. Assim, não se pode afirmar categoricamente ou de maneira absoluta, que o tombamento se reveste de características que o situem, plenamente, como limitação ou servidão, separadamente.
Professor Queiroz Telles(1) pede licença para propor uma terceira posição, a este respeito, que se resume no seguinte: "Como, por força de um princípio lógico, uma coisa não pode ser outra, concomitantemente, já que obrigatoriamente uma situação excluiria a outra, o tombamento seria limitação, à medida que sua incidência fosse encarada, exclusivamente, como providência restritiva do direito de propriedade, de natureza primacialmente pessoal".
Poderia ser entendido o tombamento como servidão administrativa, de igual forma, quando verificado o reflexo de sua situação, especificamente, sobre o bem atingido.
Verdadeiramente, o instituto do tombamento talvez possa estampar-se ambiguamente, dependendo da ótica a ser enfocada: o direito de propriedade e o bem tombado.
Concluindo, somaria-se que o instituto se revela como fator de inibição, tanto do direito pessoal (o de propriedade), como do real (sobre o próprio bem), consoante se entenda respectivamente, por limitação ou servidão administrativa.
No entanto, é preciso destacar, não se poder simplesmente aceitá-la, em termos absolutos, sob esse ponto de vista.
Ele esbarra, portanto, num aspecto conceitual muito relevante, considerado por vários autores, que entendem da necessidade de indenizar, no caso do tombamento ser compreendido como servidão.
Como outros juristas já disseram, depois de Ruy Barbosa, da aplicação cabal da regra da igualdade, através do fracionamento dos ônus e dos cômodos, decorrentes da Administração, entre os administrados. Em suma, "esta questão constitui o ponto divisório dos sistemas legais e doutrinários no mundo jurídico".
Diferentes posicionamentos defendem a gratuidade do tombamento e, pelo menos, citaríamos três nomes que esposam essa idéia, como as de José Cretella Júnior, Diogo de Figueiredo e Maria Silva S. di Pietro; quanto ao tombamento indenizado, o defende Ruy Cirne Lima, Lúcia Valle de Figueiredo, Celso Antonio Bandeira de Mello, segundo Paulo Affonso Leme Machado.
O tombamento como servidão, na verdade, era aquele que se apoiava na utilidade pública, impondo, fatalmente, ao proprietário a obrigação de suportar um ônus, um pati, (non facere), no qual se admitia a indenização.
Enfim é injusto onerar uma pessoa através de restrição dessa ordem, com o objetivo único de a coletividade passe a fruir, por puro prazer, do bem alcançado pela medida.
Todavia, o argumento possui firmeza, e embora lhe oponha o fato de que "essa proteção não justifica o desaparecimento e a subversão do direito, porém, a conciliação com os interesses privados que precisaram atender ao interesse coletivo" (2)
Sob o nome de servidão, nem sempre haveria o dever de indenizar.
Via de regra, as servidões administrativas não obrigam à indenização, a não ser quando esta é formalmente estabelecida em lei.
Importa então saber até onde fica intocado o direito de uma pessoa cuja propriedade foi submetida aos efeitos do tombamento.
Partindo dos princípios da igualdade do repartimento dos encargos sociais, ou, contrariamente, caso a intervenção estatal exorbitou no limite traçado pela Carta Magna, tal prerrogativa se condiciona ao interesse comum, mas dentro de uma graduação suportável para o particular.
Pode então haver "ofensa à esfera jurídica do proprietário ou do possuidor, e o artigo 153, § 4º (atual, 5°, XXII) será invocável".
Sem outra alternativa, ultrapassada a linha garantida pela legalidade, de maneira forçada, conforme o art. 5º, "K", do decreto-lei 3.365, de 21 de junho de 1941, ou, através de lei, indeniza pela servidão que impõe diretamente sobre a propriedade.
Destarte, estaríamos perante várias situações, concernente ao problema da obrigação de indinizar:
          a) considerada a medida protecionista como limitação administrativa, seria ela indenizável, por decorrer do poder de polícia da Administração:
          b) havido como servidão, comportaria indenização, se instituída por lei e, na proporção que alcance o direito do particular;
          c) desapropriado o bem, para efeito de sua proteção, naturalmente se imporia a indenização.
O tombamento, perante o que se expôs acima, é tão somente uma denominação que serve a qualquer dessas medidas. À primeira vista, não faz nenhuma falta e, mesmo que mencionada pela Constituição, à ordem jurídica nada acrescenta.
Coerentemente, temos a idéia de que seja melhor instituir a proteção por meio da lei, segundo os argumentos que amparam este trabalho, correspondendo assim especificamente a cada circunstância, excluindo então a idéia de limitação e, neste caso, naturalmente, também, a de retribuição.
Só seria utilizado este instituto sob a modalidade denominada tombamento voluntário, que por si só, afasta a idéia de indenização.

4. Embasamentos e modalidades
Ao tombamento do patrimônio cultural dois fundamentos lhe dão consistência: um de ordem jurídica e o outro de natureza sócio-cultural.
Pode ser o tombamento:
- quanto à constituição ou procedimento: de ofício, voluntário ou compulsório.
- quanto à eficácia: provisório ou definitivo.
- quanto aos destinatários: geral ou individual.
O tombamento pode atingir bens públicos (de ofício), previsto no artigo 5º, o qual se processa diante de uma simples notificação remetida à entidade a quem pertencer (União, Estado ou Município) ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada. Após a notificação, o tombamento passa a produzir efeitos. Quanto aos bens particulares, o tombamento pode ser voluntário ou compulsório, conforme o artigo 6º, do Decreto-lei nº 25.
Tombamento voluntário - artigo 7º - quando o proprietário solicitar o tombamento, e a coisa se revestir dos necessários requisitos para se constituir como parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo de órgão competente (IPHAN); também o proprietário pode anuir, por escrito, à notificação que se lhe for encaminhada para inscrever a coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Tombamento compulsório - artigos 8º e 9º, sob a iniciativa do poder público, e mesmo contra a vontade do proprietário.
Segundo o art. 10º, tanto o tombamento voluntário como o compulsório podem ser provisório ou definitivo, de acordo como esteja o processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no respectivo Livro do Tombo.
Com iguais efeitos que o definitivo, o tombamento provisório ocorre com a notificação do proprietário, salvo quanto a transcrição no Registro de Imóveis, só exigida no caso do tombamento definitivo (art. 10, § único, do Decreto-lei nº 25).
Outra classificação do tombamento, quanto aos destinatários:
          Individual: Que atinge um determinado Bem.
          Geral: Que atinge todos os bens situados em um bairro ou em uma cidade.

5. Atos
Para que se dê o tombamento é preciso um meio de procedimento - atos preparatórios -, cujo princípio é a inscrição do bem, no livro próprio, e verificadas as demais preliminares (parecer da Diretoria, notificação do proprietário, assinatura ´despacho´ do Presidente do IBPC, após a devida homologação do Secretário de Cultura, o final se dá com o registro no Livro do Tombo).
O instituto do tombamento, não obstante o reconhecermos como um verdadeiro procedimento administrativo, pela sucessão ordenada daqueles atos, a grande parte da doutrina que a ele se referia, o considera, tão-somente como ato administrativo.
          "Ato administrativo unilateral, discricionário e constitutivo", é definição do jurista José Cretella Júnior. (3)
É a declaração pelo poder público, do valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de coisa que, por esta razão, devem ser preservadas, de acordo com a inscrição no livro próprio, opina Hely Lopes Meirelles. (4)
Lúcia Valle Figueiredo(5) dá seu parecer: "O tombamento, de maneira singela, é ato administrativo, por meio do qual a Administração Pública manifesta sua vontade de preservar determinado bem"
Sob mesmos pontos de vistas, os citados autores, em síntese, aceitam ser o tombamento "ato administrativo da autoridade competente e não função abstrata da lei, que estabelece apenas as regras para sua efetivação"(6)
Ou ainda, que ele (tombamento) "necessita, por ser ato administrativo, de lei anterior a validá-lo que, ao definir o bem preservado indique, inclusive, a finalidade a ser tutelada por seu intermédio".(7)
No entanto, o tombamento pode ainda se verificar mediante lei. Aqui quem esclarece é Leme Machado(8): "Não há nenhuma vedação constitucional de que o tombamento seja realizado diretamente por ato legislativo federal, estadual ou municipal. Como acentua Pontes de Miranda, basta para que o ato estatal protetivo - legislativo ou Executivo - , seja de acordo com a lei ou às normas já estabelecidas, Genericamente, para a proteção dos bens culturais.O tombamento não é medida que implique necessariamente despesa e caso Venha o bem tombado necessitar de conservação pelo poder público, o órgão encarregado para a conservação efetuará tal despesa"(9)
Queiroz Telles crê que a medida protetiva poderia ser viabilizada por ato legislativo, uma vez que "não é preciso ser um perito de nomeada para ter sensibilidade de que um bem deva ser conservado".
O Legislativo, além disso, nos seus três (3) níveis, pode ser assessorado, como nas demais matérias de relevância para o País, por especialistas de notória sabedoria e idoneidade.
Quando o tombamento origina-se da lei, é uma vantagem, porque a anulação da medida pode vir simplesmente através de ato do Poder Legislativo; é maior o consenso de vontades, tanto ao se iniciar a conservação de um bem como no cancelamento da proteção, se fizer necessário.
O tombamento provisório, já existente por ato da Administração, não perderia seu cabimento, funcionando até que o deliberasse o Poder Legislativo(10).
E bastariam tais motivos, obviamente, para que acontecesse o tombamento, seja por via administrativa, seja por via legislativa.
Listamos abaixo outros argumentos que poderiam justificar o tombamento, conforme Queiroz Telles(11).
1º) Nega, absolutamente, a constitucionalidade da legislação que rege a presente matéria; nem mesmo procura se afastar da idéia de que o instituto deva concretizar-se através de procedimento, e não de simples ato administrativo, conforme posição anteriormente assumida.
2º) Porém, não nega a faculdade constitucional de, através da lei, limitar o direito de propriedade, ainda que sob a imprópria legenda do poder de polícia.
3º) Não crê que exista e tampouco poderá existir, a possibilidade de rebaixar o cunho social de que se reveste, em principal atualmente, a propriedade como decorrência da supremacia do interesse público.
4º) Entende, sim, deva o tombamento compulsório ser viabilizado através de ato legislativo, para se adequar, perfeitamente, ao sistema jurídico vigente; em cada caso, ou conforme o preceituado no art. 8º do Decreto-lei 25/37: "proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
5º) Como uma idéia implica na admissão de outra, quer dizer que o tombamento voluntário sucederia mediante o procedimento administrativo nos termos do disposto no art. 7º do mesmo Decreto-lei: "Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional... ou sempre que o mesmo proprietário anuir por escrito, à notificação que se lhe fizer, para a inscrição dos livros do tombo".
Justifica seu ponto de vista, tendo em conta o próprio preceito constitucional que assegura ao indivíduo a prerrogativa de não ser obrigado, a não ser compelido em virtude da lei.
6º) Considerado como limitação ao direito de propriedade, o tombamento deveria descender diretamente da lei, em cada situação particular. Na verdade, assegura Queiroz Telles, o tombamento decorre de lei (Decreto-lei 25/37), fundamentado, por sua vez, na Constituição Federal, art. 216).
7º) Quanto à materialização da providência, na realidade, ela se processa mediante ato administrativo, de natureza discricionária (homologação) e, nem mesmo através de procedimento administrativo, para a maioria dos autores.

6. Competências
Há que se ter a devida manifestação do órgão técnico, no caso, do IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como em São Paulo, o CONDEPHAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado, referido no artigo 129 da Constituição Paulista/67.
O bem público, em seguida à manifestação do órgão técnico, a autoridade administrativa determina a inscrição do bem no Livro do Tombo, notificando a pessoa - jurídica e de direito público titular - do bem ou que o tenha em sua guarda.
          Tombamento voluntário requerido pelo proprietário, para o qual tem que ser ouvido o órgão técnico e, preenchido todos os requisitos, logo será encaminhada sua inscrição ao Livro do Tombo, bem como a respectiva transcrição no Registro de Imóveis, ao se tratar de bem imóvel.
Os tipos de competências, na atualidade:
          1. União - Dois tipos de competências - legislativa e administrativa - foram
outorgadas à União, através da Carta de 1988. A legislativa, de acordo com Queiroz Telles, desdobra-se nas modalidades denominadas de privativa (expressa ou exclusiva), descrita no art. 22, incs. I a XXIX, § único e, a concorrente, que se distribui, juntamente com a dos Estados e a do Distrito Federal, na reação do art. 24, incs. I a XVI.
Dispõe o art. 22: "Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito
Civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".
"Não é exclusiva da União a competência para legislar sobre direito administrativo e, bem assim, sobre o tombamento, instituto que nesse ramo jurídico se insere"(12)
Também possui a União, ao lado da competência exclusiva, capacidade legislativa concorrente, segundo dispõe o art. 24, da atual Carta Magna.
A União, os Estados e o Distrito Federal concorrem, portanto, quanto à "Proteção ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico", e, também, sobre a "responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico", de acordo com o que estabelecem os incisos VII e VIII, respectivamente, do art. 24.
Em defesa do patrimônio cultural, em comum com as demais pessoas jurídicas, evidencia-se a competência administrativa da União, que vem enunciada no artigo 23, incs. I a XII e § único; a Constituição se inova, ao estabelecer esse tipo de competência. No que concerne ao tombamento.
O tombamento é da alçada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com os incisos III e IV, que dizem o seguinte:
"III - proteger os documento, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e Cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios Arqueológicos" e;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de Outros bens de valor histórico, artístico e cultural".
Esse tipo de competência meramente administrativa, destina-se, no caso particular do patrimônio cultural, exclusivamente, a assegurar sua proteção, através de providências comuns entre as pessoas jurídicas mencionadas no art. 23.

6. Fases do procedimento:
1. manifestação do órgão sobre o valor do bem para fins de tombamento;
2. notificação ao proprietário para anuir ao tombamento dentro do prazo de quinze (15) dias, a contar da data do recebimento da notificação ou para, se quiser, impugnar e oferecer razões dessa impugnação;
3. se o proprietário anuir, por escrito, à notificação, ou não impugnar, tem-se o tombamento voluntário, com a inscrição no Livro do Tombo;
4. havendo impugnação, será dada vista, no prazo de mais quinze (15) dias, ao órgão que tiver tomado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentar as suas razões;
5. a seguir, o processo será remetido ao Conselho Consultivo do IPHAN, que proferirá decisão a respeito, no prazo de sessenta (60) dias, a contar da data do recebimento;
6. se a decisão for contrária ao proprietário, será determinada a inscrição no Livro do Tombo; se for favorável, o processo será arquivado;
7. a decisão do Conselho Consultivo terá que ser apreciada pelo Ministro da Cultura (Lei nº 6.292, de 15.12.75, o qual poderá examinar todo o procedimento, anulando-o, se houver ilegalidade, ou revogando a decisão do órgão técnico, se contrária ao interesse público, ou, finalmente, apenas homologando;
8. o tombamento só se torna definitivo com a sua inscrição em um dos Livros do Tombo.

7. Efeitos
Há um capítulo todo, o de nº III, do Decreto-lei nº 25/37, dedicado aos efeitos do tombamento: alienação, deslocamento, transformações, imóveis vizinhos, conservação, fiscalização. Tais efeitos vão obrigar o proprietário à obrigação de alguns atos positivos (fazer) e negativos (não fazer) e de suportar (deixar fazer); aos proprietários vizinhos, obrigações negativas (não fazer); e para o IPHAN, obrigações positivas (fazer), conforme explana Maria Sylvia Zanella di Pietro(13) .
          Obrigações do proprietário do bem tombado:
          1. Positivas : fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, Estados e Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições será determinadas pelo Poder Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será inalienável, ressalvada a possibilidade de transferência entre União, Estados e Municípios (art. 11).
          2. Negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas Tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também não pode em se tratando de bens móveis, retirá-los do país, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do IPHAN (art. 14); tentada sua exportação, a coisa fica sujeita a seqüestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15).
          3. obrigação de suportar: O proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância.
As conseqüências do tombamento afetam também os proprietários dos imóveis vizinhos - art. 18 do Decreto-lei, in verbis: "sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN), não se poderem na vizinhança tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirado o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto".
É o caso de servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos. Automaticamente, com o ato de tombamento, se dá a servidão, impondo servientes obrigações negativas de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios aos vizinhos-proprietários; a esse encargo não corresponde qualquer indenização.
Foi proferido acórdão (in RT 222:559), quanto a esta restrição, em que se decidiu: "no conceito de visibilidade em relação a monumentos históricos há um sentido mais amplo que envolve outros aspectos além da simples visibilidade física, inclusive a respeitabilidade do imóvel protegido que pode ser prejudicada com ligeiras construções de madeira, como seja um pórtico com aparelhos de ginástica, embora não lhe impedindo de todo a visão". Pretendia-se erguer um pórtico com aparelhos de ginástica nas proximidades de um convento tombado.
Quanto à restrição contida no artigo 18, muito se tem discutido na esfera administrativa, chegando-se a algumas conclusões. Manifestou-se então a Consultoria Geral da República em parecer aprovado pelo Presidente da República, por despacho de 16.04.1968, no sentido de que "as obras projetadas, com relação a dois edifícios já concluídos, não prejudicavam a visibilidade do Museu Imperial, de modo a ensejar a aplicação do art. 18 do Decreto-lei nº 25 de 1937. Não basta que a construção esteja na vizinhança da cosia tombada, observa Maria Syllvia Zanella Di Prieto(14), é necessário que a mesma impeça ou reduza sua visibilidade" (in RDA 93:379-381). Parecer do mesmo órgão, nesse sentido, também aprovado pelo Presidente da República e, 04.02.75: "o exercício da atribuição conferida ao IPHAN, pelo artigo 18 do Decreto-lei nº 25/37, somente se exerce, legitimamente, em relação a construções, no suposto de duas condições, a se verificarem simultaneamente, a saber, a vizinhança do bem tombado e o comprometimento, por elas, de sua visibilidade, quer impedindo-a, quer a reduzindo" (in RDA 120:403-413).
A servidão, no caso, surge no ato do tombamento (inscrição no Livro do Tombo), independendo da transcrição no Registro de Imóveis..
No tocante às construções, acresce dizer que a sua autorização é de competência municipal, mediante a aprovação das plantas e, em muitos casos, têm ocorrido hipóteses em que, aprovada pela Prefeitura, logo a seguir é impugnada pelo IPHAN (cf. parecer en RDA 93:379).
Ao mesmo tempo em que se cumpre o artigo 18 do Decreto-lei nº 26, também assegure-se da boa-fé de terceiros, necessária a adoção das seguintes medidas: fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação de aprovação do IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção.
É importante manter vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, na ausência dessas medidas, cabendo responsabilidade pró perdas e danos, quando, por sua culpa, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura.
Finalmente, surgem efeitos do tombamento para o próprio IPHAN, que assume as seguintes obrigações:
           1. Mandar executar as obras de conservação do bem, quando o proprietário não puder fazê-lo ou providenciar para que seja feita a desapropriação da coisa (art. 19, § 1]); não adotadas essas providências, o proprietário pode requerer que seja cancelado o tombamento (§ 2º).
           2. Exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas, inspecionando-as sempre que julgar conveniente (art. 20);
           3. Providenciar, em se tratando de bens particulares, a transcrição do tombamento no Registro de Imóveis e a averbação ao lado da transcrição do domínio (art. 13). Não adotada essa providência, conforme antes salientado, a União, os Estados e os Municípios perderão o direito de preferência a que se refere o artigo 22.

8. Limitação ou servidão administrativa?
Inúmeras colocações tentam explicar, dentro da natureza jurídica do tombamento, em face do direito público-administrativo, denominações que o esclareça.
A servidão administrativa é uma forma de intervenção do Estado na propriedade, vista como branda, porque atinge o uso exclusivo da propriedade, sem atingir seu caráter absoluto, como a limitação. O particular passa a ter que dividir o uso de sua propriedade com o Poder Público.
Todos os entes da Federação podem fazê-lo, conforme o previsto no Decreto-lei 3.365/41, art. 40, p. 451, com argumento aproximado do da ocupação temporária. O expropriante, que pode ser qualquer ente da Federação, poderá construir servidões mediante indenização na forma da lei e também fazer servidão administrativa.
A grosso modo, quando se refere à servidão administrativa, os estudiosos da matéria e especialmente os civilistas, pensam em servidão predial.
A servidão, que se estuda no Direito Civil, é o direito real, eminente, pois, a maioria das servidões administrativas são de direito real. Ou seja, miar percentual do Direito Público só admite servidão administrativa em cima do direito real. Contudo, a servidão pode incidir sobre atividades, de acordo com a posição de Adilson Abreu Dallari.
Dallari ressalta dois significativos exemplos de servidão administrativa: tanto o militar fardado quanto o carteiro uniformizado têm passe livre nos meios de transporte coletivo. Isto é servidão administrativa, porque é gratuidade dominante, diante do trabalho executado pelos dois no serviço público. É servidão atingindo uma atividade e não um bem imóvel. Mas é bom não confundir com a gratuidade ao idoso e ao menor (estudante), porquanto nada tem a ver com servidão; trata-se de liberalidade da lei que procura favorecer o menor e o idoso. Servidão é para a gratuidade de transportes liberada ao militar e/ou ao carteiro e outros profissionais. No entanto, grande parte dos autores só vê a servidão incidindo sobre o direito real (imóvel); um dos exemplos mais comuns descritos em livros, é o da passagem de fio de alta tensão na propriedade; ou a servidão do gasoduto.
Exemplo: no alto de uma montanha foi instalada uma torre com fios de alta tensão (local onde o proprietário e sua família nunca colocou os pés), então ele terá que ser indenizado? Lógico que não, pois ele e sua família não estão sofrendo nenhum dano. No caso de a propriedade ser de um criador de gado nelore, e o local ser comum ao pasto dos seus animais, a alta tensão poderá prejudicar a criação bovina e, conseqüentemente, cabe ao proprietário solicitar indenização pelos prováveis prejuízos.
Outro exemplo: a colocação de placas em casas e prédios com os nomes das ruas (exemplo típico de servidão), para a qual não cabe qualquer tipo de indenização, já que não há nenhum dano; tal juízo insere-se no art. 36 do Decreto-lei 3.365/41.
           Servidão = desapropriação. A forma da servidão é a forma da desapropriação. Tudo tem início com o decreto emanado pelo Chefe do Executivo, igual ao da desapropriação, com a declaração de utilidade pública. Assim se iniciam as duas.
Ao declarar uma área de utilidade pública para fim de servidão, primeiramente se dirige ao proprietário do imóvel, e esclarece o motivo da utilidade pública daquele imóvel, buscando um acordo administrativo que vai gerar uma indenização, no que concerne à área e também ao prejuízo que irá sofrer seu proprietário. Caso não se chegue a um acordo, começa a tramitação do processo judicial e, dados os trâmites por findos, é emitida a sentença que terá que ser cumprida. E assim se efetiva a servidão, nos mesmos moldes da desapropriação.
Naturalmente que o imóvel há que ser inscrito no registro de imóveis, que depois da sentença do juiz, é feita nova inscrição no registro de imóveis da servidão.
As servidões estão muito ligadas ao uso do espaço aéreo e do subsolo, porque em grande maioria atendem a servidões de passagem (de fios de alta tensão, de oleodutos, de gasodutos, de espaço aéreo), e seja lá o que for no espaço aéreo, no subterrâneo ou no subsolo.
Daí nos permitir criticar o art. 2º da Lei de Desapropriação, § 1º, ou, foi até questão da Magistratura do Estado, sobre a qual muita gente esbarrou no § 1º do art. 2º, em prova recente, que a muitos parecer estar certa a questão., quanto à necessidade de desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo.
A pergunta era a seguinte: - Pode-se desapropriar o espaço aéreo e o subsolo? A resposta da grande maioria foi pode e não pode. Por que? Responderam vários deles: - Porque são bens da União e bem público só pode ser desapropriado de cima para baixo. Calma! O César Maia não desapropriou os bens das DOCAS do Rio de Janeiro? Ele alegrou que o nem não pertence à União, mas à Sociedade de Economia Mista DOCAS. Esqueceu-se ele, porém, que a Lei da Desapropriação fala que o patrimônio da administração indireta - União -, só pode ser desapropriado pelos outros seres, se aceitar essa desapropriação o Presidente da República; há que se ter autorização por escrito do Presidente.
Decreto-lei nº 3.365/41, parágrafo 3º, artigo 2º: "É vedada a desapropriação pelos Estados, Territórios, Distrito Federal e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas, cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal, e se subordine a sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto, do Presidente da República, § 3º, art. 2º, da Lei de Desapropriação".
No caso de desapropriação do solo, subsolo, espaço aéreo - que são bens da União -, particularmente, penso ser matéria de servidão. Em quase 99% desses casos, se o uso do espaço aéreo, solo, subsolo etc, se porventura prejudicarem o proprietário, fica instituída a servidão administrativa, cuja indenização é bem menor que no caso de desapropriação.
Os artigos que preconizam a desapropriação e a servidão administrativa são pessimamente redigidos, chego a dizer, são de uma redação horrorosa, dando a entender que se pode desapropriar o subsolo e o espaço aéreo, sem sequer mencionar a servidão.
O Poder Público utiliza-se da servidão e não da desapropriação, nesses casos.
Há três tipos de diferenças basilares entre servidão e limitação administrativa:
           a) Diferença quanto ao grau de intervenção na propriedade; pois a limitação pode atingir um caráter absoluto da propriedade. A limitação pode pegar o uso, o gozo e a disposição, atingindo o caráter absoluto. Na servidão, existe apenas o uso exclusivo da propriedade. Daí que quanto ao grau de intervenção, a limitação é mais genérica do que a servidão: a servidão atinge apenas o uso exclusivo da limitação, o caráter absoluto da propriedade, apesar de não retirá-la do particular, quando se diz absoluto.
           b) Refere-se ao sujeito passivo. Quem sofre a servidão? Quem sofre a limitação? Limitação = sujeito passivo genérico, abstrato, indeterminado. Ex. Todos os moradores de um bairro, uma rua, uma cidade, ou seja, são indeterminados na limitação administrativa. A servidão é seu oposto, pois se alguém vai usar certa propriedade, dividir com o dono seu uso, terá que saber quem é o seu proprietário. Assim, na servidão administrativa o sujeito passivo é determinado, específico, concreto.
           c) No caso de a Administração Pública colocar fios elétricos na propriedade de várias pessoas, impreterivelmente terá que fazer acordo com todos eles. Os sujeitos são determinados; portanto, é mister o decreto, os acordos, o registro dos imóveis etc.
É a 3ª diferença: limitação é via lei; servidão é via decreto.
Todavia, há que se ter certos cuidados, pois algumas servidões são criadas por lei - a regra é o decreto -, mas temos servidões criadas por leis. Ex. O código da Aeronáutica, Código do Ar Brasileiro, cria uma servidão em torno do aeroporto, servidão administrativa de fixação de gabarito. É uma servidão, embora se fale em gabarito, porque tem coisa dominante, a navegação aérea, que é o que interessa à coletividade; coisa subserviente quanto aos imóveis existentes ao redor do aeroporto. Isso é servidão e não limitação administrativa; é criada por lei. Não é preciso baixar decreto, não requer acordos, e aí ao invés de passivo, passa a ser indeterminado, porque já se trata de uma exceção.
Ao responder a pergunta de um de meus alunos, quanto a diferença entre servidão e limitação administrativa, esclareço: Temos três diferenças basilares, a primeira é quanto ao grau de intervenção na propriedade (intervenção à limitação), que atinge caráter absoluto da propriedade; a limitação pode pegar o uso, o gozo e a disposição, então ela atinge o caráter absoluto. Na servidão, pelo contrário, é só o uso (atinge o uso exclusivo da propriedade). Quanto ao grau de intervenção, a limitação é mais genérica do que a servidão; pois esta pega apenas o uso exclusivo. A limitação atinge o caráter absoluto da propriedade, apesar de não retirá-la do particular. Quando se diz absoluto, pensa-se logo que esteja tirando a propriedade, mas não é isso, atinge- o caráter absoluto sem retirar a propriedade, pois pode atingir o uso, o gozo e a disposição.

9. Tombamento cria servidão
Um exemplo que não pode ser deixado de lado é o caso de o tombamento criar uma servidão. Digamos que em torno da coisa tombada, conforme o Decreto-lei 25/37, que regula o tombamento, no artigo 18, p. 440, cria uma servidão administrativa.
           A redação da lei de tombamento no Direito Brasileiro, sem prévia autorização do IPHAM - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Administrativo Nacional -, diz que a vizinhança do imóvel tombado não poderá fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandado destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se multa de 50%, nesse caso.
Isso quer dizer que, dominante é o bem tombado, e serviente se tornam os imóveis em torno do bem tombado, por força de Lei ou Decreto-lei. Ou seja, o decreto tem força de lei, é sujeito passivo indeterminado (não requer seja baixado decreto), não precisa correr atrás de ninguém em torno da coisa tombada. O art. 18, no entanto, não fala o que deve existir em torno do tombamento.
Trata-se, inegavelmente, de servidão administrativa, na qual a dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos.
Em São Paulo, conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro, (D. Adm. P. 121), também foi instituída servidão sobre os prédios vizinhos aos bens tombados, porém se definiu um raio de 300 metros em torno da coisa tombada, conforme Decreto nº 13.426, de 16.03.79 (arts. 137 e 138). E o artigo 1] do Decreto-lei Complementar nº 2, de 15.08.69, determina que "para a preservação dos locais a que se refere o artigo 127 da Constituição Estadual, os Municípios não poderão aprovar construções e loteamentos ou a instalação de propaganda, painéis, dísticos, cartazes, ou semelhantes, em zonas declaradas de interesse turístico estadual, ou na vizinhança de bens tombados, que contrariem padrões de ordem estética fixados pelo Governo do Estado". Idêntica norma se encontra no artigo 16 do Decreto s/nº, de 19.12.69, que regulamenta o Decreto-lei nº 149/69, o qual, pró sua vez, dispõe sobre tombamento de bens, para a proteção do patrimônio histórico e artístico estadual.
Exemplo: O proprietário recebe alvará da Prefeitura para construir o imóvel e, tudo legalizado, edifica seu prédio; e de repente aparece lá um fiscal do IPHAN que o notifica que ele não pode fazer essa construção, por estar dentro da área de tombamento (raio de 300 metros em torno da coisa tombada); a obra é embargada. Bem, e quem vai pagar os prejuízos ao proprietário do imóvel? Ora, a Prefeitura concedeu o alvará de licença, sem avisá-lo da impropriedade da construção naquele terreno. Caberá ao Município ou ao IPHAN indenizá-lo? A jurisprudência é mínima sobre a matéria, mas se deduz que caberá ao IPHAN providenciar a indenização.
Admito que o assunto mereça enfoques mais modernos, dentro da ciência jurídica e administrativa, sobretudo, fazendo que em cidades onde existem muitos imóveis pertencentes ao Patrimônio Histórico e Artístico, haja um relacionamento mais estreito entre o IPHAN e a Prefeitura Municipal, pelo menos para que se fique esclarecida a área proibida para tais construções, propagandas, painéis, cartazes etc.
Outra servidão criada por lei eram aqueles terrenos marginais, lembrados através do Decreto-lei nº 9.760/46, áreas de expropriação constitucional confiscatória - terreno marginal -, servidão, para o qual veio uma comissão e avisou que aquilo é bem da União. É um exemplo de servidão criado por lei, como os que falam sobre as áreas de regiões ribeirinhas dos rios públicos, 15 metros no interior. Antes, a servidão abrangia terrenos reservados ou marginais, e veio a Constituição e passou tudo para o poder da União, e também não é mais servidão, e sim desapropriação.

NOTAS
  1. Telles, Antonio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 42.
  2. José Cretela Júnior, Dicionário de Direito Administrativo, ob. citada, ps. 492-493.
  3. Cretella Júnior. Dicionário de Direito Administrativo, obra citada, p. 481.
  4. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, obra citada, p. 517.
  5. Figueiredo, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, São Paulo : Editora RT, 1980, p. 59.
  6. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, obra citada, p. 482.
  7. Figueiredo, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade, obra citada, p. 59.
  8. Machado, Paulo Afonso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento, obra citada, p. 75.
  9. Machado, Paulo Afonso Leme. Ação Civil Pública e Tombamento, obra citad, p. 76.
  10. Idem, p. 76
  11. Telles, Antonio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 81
  12. Telles, Antônio A Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico, obra citada, p. 91.
  13. Prieto, Maria Sylvia Zanella Di. Servidão administrativa, obra citada, p. 119.
  14. Idem. P.
Informações bibliográficas:
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Algumas considerações sobre o tombamento . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2010.