sábado, 3 de julho de 2010

Entre o passado e o futuro

O Conceito de História - Antigo e Moderno
Hannah Arendt
por: Marcos Simão
I - História e Natureza
A consciência da mortalidade dos homens e a tarefa da História, nascida então por Heródoto, considerando que as coisas da natureza sejam improváveis de ignorância e esquecimento, uma vez que existem para sempre e não necessitam da existência do homem para serem recordadas. Assim a vida individual do homem distingui-se de todas as outras coisas, secciona transversalmente os movimentos circulares da vida biológica. O homem e sua obra, o homem mortal e a obra do homem imortal. Entretanto os grandes feitos e obras de que são capazes os mortais e eu constituem o tema da narrativa histórica, não são vistos como parte, quer de um totalidade ou de um processo, ao contrário, recai sempre em situações únicas e rasgos isolados.
Na antigüidade tardia especulações acerca da natureza da história e de seu processo teriam de ser circulares, construídos à partir da vida biológica. O homem não deixaria de ser mortal, mas a sua obra passaria a sê-lo, fazendo com que os termos de Poesia e Historiografia perdessem o significado primitivo da grandeza dos mortais como distinto da dos deuses e da natureza.
Com Heródoto as palavras e ações do homem tornaram-se o conteúdo da História e esta uma categoria da existência humana. Em outras palavras a "estória" de uma vida fora do próprio objeto, para todos verem e ouvirem.
O paradoxo e o aspecto trágico da cultura grega residia em que tudo era visto como pano de fundo das coisas que existem para sempre. Assim a grandeza humana era compreendida como residindo nas palavras e feitos. Um paradoxo poético e não filosófico. fazendo que com que os feitos e palavras perdurassem não somente além do momento do discurso ou da ação, mas além da vida mortal de seu agente. Haviam então descoberto, na atividade do próprio pensamento, uma capacidade para libertar-se de toda a esfera dos assuntos humanos.
Usando a História, os homens se tornariam através dos feitos e palavras quase igual a natureza. Grande era o que merecera imortalidade, preocupação essa que baseia-se no conceito de Natureza e História cujo o denominador comum era a própria imortalidade.
O conceito Moderno de História não é menos ligado ao moderno conceito de Natureza. Hoje os cientistas naturais admitem que ao observar o experimento, se torna uma de suas condições, introduzindo assim, um fator subjetivo nos processos objetivos da natureza. A antiga polêmica, portanto, entre a "subjetividade" da Historiografia e a "objetividade" da Física perdeu grande parte de sua relevância.
A objetividade, estreitamente ligadas a não-interferência e a não-discriminação constituem ainda o ponto curioso e embaraçador acerca das Ciências Históricas. Diferentes das Ciências Naturais cujos os padrões científicos culminavam na "extinção do eu". O problema da objetividade científica devia-se à auto-incompreensão histórica e a confusão filosófica em tão larga escala que se tornou difícil reconhecer o verdadeiro problema em jogo.
A imparcialidade, que significa livre de julgamento objetivo, mostrou, a partir de Homero, a possibilidade de compreender o mundo do ponto de vista do outro, a ver o mesmo em aspectos vem diferentes e, freqüentemente opostos.
A moderna idéia de História foi fortemente estimulada pala dúvida da época moderna acerca da realidade de um mundo exterior dado "objetivamente" à percepção humana como objeto imutado e imutável, ou seja a busca da verdade e do conhecimento, segundo Descartes, não pode confiar nem na evidência dada dos sentidos, nem na "verdade inata" na mente, nem tampouco na "luz interior da razão", justificado pela perda de confiança na capacidade reveladora da verdade dos sentidos, compreendida sempre como conseqüência da atemorizadora simplicidade da relação do homem para com o mundo. A conseqüência foi, após a ascensão das Ciências Naturais, diante da infidedignidade da sensação e da resultante insuficiência da mera observação, voltou-se em direção ao experimento ou na sua versão mais inofensiva, o empirismo inglês.
A Ciência moderna nasceu quando a atenção deslocou-se da busca do "que" para a investigação do "como", ou seja, que eu conheça uma coisa sempre que compreenda como ela veio a existir, ao mesmo tempo a ênfase deslocou-se do interesse nas coisas para o interesse em processos. Assim, a História na época moderna tornou-se um processo feito pelo homem, o único processo global cuja existência se deveu exclusivamente à raça humana.
A tecnologia como área de interseção entre Ciências Naturais e Históricas. As Ciências Sociais tornou-se para a História o que a tecnologia fora para a Física, em outras palavras, podem utilizar-se de experimentos de uma forma mais grosseira e menos segura do que as Ciências Naturais, porém o método é o mesmo. A conexão está no conceito de processo, não nos interessando por entidades singulares ou ocorrências individuais e suas causas distintas e específicas. O processo representa para a Historiografia moderna o que a imortalidade significou para a História na Antigüidade, como resultado inevitável da ação humana.

II - História e Imortalidade Terrena
O conceito moderno de processo, compreende de mesma forma a história e a natureza, onde nada é significativo em si ou por si mesmo. Processos invisíveis engolfam todas as coisas tangíveis ou entidades individuais. O conceito de processo implica assim, a dissociação do concreto e do geral, a coisa ou evento singulares e o significado universal. O processo, que tone por si só significativo e que quer que porventura carregue consigo. Adquiriu assim um monopólio de universalidade e significação. Assim para os gregos e romanos, a lição de cada evento, feito ou ocorrência revela-se em e por si mesma, não excluindo, seja a causalidade, seja o contexto. Causalidade e contexto eram vistos sobre o próprio evento, mas não eram considerados detentores de uma existência independente. A noção atual de História confete a seqüência temporal uma importância e dignidade que ela jamais tivera antes, herdada da tradição hebraico-cristã.
Para o cristão e para o romano, a importância de eventos seculares está no fato de possuírem o caráter de exemplos que provavelmente se repetirão de modo que a ação possa seguir certos modelos padronizados. Surgindo a cronologia a partir do nascimento de cristo, proporcionando uma dupla infinitude do passado e do futuro, eliminando as noções de princípio e fim, e uma potencial imortalidade terrena.
A consciência da época moderna sobre a noção de história atingiu se clímax na filosofia de Hegel, onde a verdade reside e se revela no próprio processo temporal, na tentativa de transpor o golfo que separa uma cultura religiosa do mundo secular. Entendendo secularização, assim, simplesmente como a separação de religião e política. Admitindo-se, em outras palavras, a existência de um reino independente de idéias puras. O problema da política então readquiriu a relevância para existência dos homens que lhes faltava desde a idade média, ou seja, o fundamento de um organismo político era dado pela necessidade de vencer a imortalidade da vida humana e a futilidade dos feitos humanos.
Dentro dos limites do dilema tradicional, atribuindo a imortalidade ou à vida ou ao mundo, imortalizar nó pode ser significativo se não houver garantia nenhuma de vida futura. A época moderna descobre assim, na imortalidade potencial da espécie humana, o conteúdo do nosso conceito de História, estabelecido pala dúplice infinitude do processo histórico, onde a noção de um fim é virtualmente inconcebível.

III. História e Política
Na época moderna, o moderno conceito de história tornou-se útil para dar às questões políticas um significado.
O conceito de história de Marx está ligado ao conceito de Vico _ “história é feita pelos homens”. Assim, a autora coloca que a importância deste conceito era teórico, pois nenhum daqueles que o utilizaram aplicou este conceito diretamente à ação. A verdade era revelada ao vislumbre contemplativo de historiador.
Marx combinaria noções de história com filosofias políticas, onde os “designos superiores” poderiam se tornar fins intencionais de uma ação política. Para Marx a liberdade é o fim da ação humana, o produto final de um processo de fabricação.
Se é possível fazer história com um fim, a história se transforma em um objeto de um processo de fabricação, onde consequentemente haverá um fim para a história.
Já para Kant, a idéia da história como um processo sugere serem os homens em suas ações conduzidos por algo que eles não têm consciência, “o ardil da natureza”, que foi o mesmo que Hegel denominou mais tarde de “a astúcia da razão “Refutadas as questões Kantianas e Hegelianas de compreensão do significado do processo histórico, no modernismo mais recente os homens parecem provar qualquer hipótese que decidam adotar.
Nos estudos desenvolvidos pela autora sobre o totalitarismo, o fenômeno totalitário já parte do princípio que tudo é possível e que a ação pode ser baseada em qualquer hipótese.

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