Marcos Simão
Crise, este é o mote do texto que tem como intuito colocar em discussão a necessidade urgente de se pensar o novo e escutar os profissionais que produzem idéias ligadas à sociedade, por um lado, e às rivalidades intelectuais, por outro. Crise urbana como conseqüência de uma crise econômica e crise de crescimento, abrindo portas para que os especialistas da cidade e do território usem o termo para enunciar a urgência de uma questão urbana.
O conhecimento ponteia essa eventual crise que povoa a comunidade de produtores e de representações científicas, e, sua real existência encerra o drama assegurado pelo termo “crise” e sua relação entre saber e poder. O paradigma das ciências sociais e especificamente da ciência da cidade se edificaram no estreito elo entre o discurso científico e o progresso social, os saberes sobre a cidade e um projeto progressista. O rompimento desse elo representa a dissolução de toda a base da construção do saber. Trata-se de decifrar, então, a ordem escondida sob a desordem urbana e romper com que se chama de curso natural das coisas. É instigante observar a construção enfática de relações entre ciência urbana e um projeto de ordem espacial, e sua dimensões com a ordem produtiva e a ordem política, culminado pela questão sobre o que nos resta hoje. Será o fim das energias utópicas? Acredito que não.
Estatísticas sanitárias, a epidemiologia, a criminologia ambientalista, observações sistemáticas dos cortiços e dos seus habitantes foram o pontos de partida parciais para o a emergência do conhecimento global sobre a cidade, marcando o origem das ciência das cidades. Assim a “desordem é a imagem invertida de uma ordem escondida, ainda potencial, e que a ciência urbana é uma política experimental devem tornar real”. Este é concepção pode ser corroborada pelo argumento de que “até para reconhecer o que é anormal, e mais ainda para remediá-lo, nós devemos conhecer alguma coisa do curso normal da evolução” Lewis Munford - 1905.
Forjar categorias descrição e de análise permite representar a realidade atual em sua relação necessária com aquilo que sequer que ela se torne e este elo íntimo entre momento cognitivo e momento prático e constitutivo das ciências das cidades. “Esses momentos dependem da história social da produção, das representações científicas e, em particular, da história do próprio mundo da ciência em si e de suas relações com a sociedade”. O paradigma da ciência urbana apoia-se em argumentos como os que de a cidade pode se tornar num fator de progresso, funcionando como um organismo ou sistema onde o bom funcionamento dos elementos depende do bom relacionamento dos conjuntos e ainda apoia-se sobre o método experimental: é arte e ao mesmo tempo que ciência.
A ordem urbana e a ordem produtiva ligam a cidade à conceitos metafóricos da cidade-fábrica superpostas à metáforas do organismo urbano, principalmente após a segunda guerra mundial. A cidade, que deu origem ao indivíduo e às instituições políticas moderna, torna-se também o lugar emblemático da dissolução do elo social. Elaboração científica de um pânico social, essas representações são amplamente difundidas entre a burguesia. Recriar o elo social sobre novas bases, torna-se o programa dos cientistas social e das cidades. O direito ao voto, e a ordem política, a criação dos bairros populares, fazem surgir o cidadão. Organizar a comunidade pela base, o objetivo de uma outra corrente das ciências da cidade. Espera-se assim de uma mudança urbana e da ciência que a orienta um progresso de ordem política.
A ciência urbana, por um lado, reivindica enunciar os saberes produzidos por procedimentos de objetivação do método científico, distintos dos saberes com finalidade prática e, por outro a institucionalização universitária, mais precisamente se afirmar com a legitimidade e a especificidade da “ciência pura”. É talvez em conjunturas onde esse reconhecimento social tornou-se problemático que aparece uma crise de projetos, acompanhada de uma crise de saberes. Assim nasce o urbanismo moderno, a ciência e o planejamento regional e o planejamento estratégico. Fazendo as ciências das cidade candidatas naturais a administrar, aliadas à políticas e políticos preconizadores naturais da despolitização, fornecendo a esses um vocabulário suscetível de cimentar a unidade nacional. As ciências urbanas conhecem, então, um rápido desenvolvimento. Tornam-se ciências do Estado. Porta voz dos que se calam, o pesquisador pretende ser somente o eco fiel da realidade, e dela fornecer uma interpretação especificamente científica. Enfim, as ciências da cidade apóiam-se sobre um relação privilegiada e ambígua com o poder e a política o que a faz perder muito da sua legitimidade.
Á árdua mas não menos instigante, a discussão coloca em cheque os saberes da cidade no campo das idéias e na formação do conhecimento com um enredo histórico dessa construção. O grande mérito foi justamente reconhecer que é necessário retomar a produção do conhecimento em outras bases que não seja àquela vinculada ao sistema de produção ou de poder político. Obviamente estas são variáveis importantes na produção das ciências das cidades, mas não podem ser referência na construção das idéias, ou seja reconhece-las como peças-chave na construção do conhecimento científico sobre a cidade, mas sem o vínculo ambíguo e perigoso que configurou sua trajetória. Recuso-me, entretanto, a apregoar e acreditar no fim das energias utópicas, aquelas capazes de anarquizar para poder reconstruir e sempre buscando observar o desordenado e o desconhecido para conhecer a lógica do ordenado e conhecido.
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