quinta-feira, 22 de julho de 2010

Entre a História, a Política e a Narração

HANNAH ARENDT:
por: André Luiz de Souza Filgueira*
A política
É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico original1
Hannah Arendt
A questão que nos leva a refletir sobre os possíveis nexos existentes entre as três categorias (história, narração e política) que irão conduzir este texto, está situada em torno do acontecimento, ou nos termos de Arendt, no rastro do novo2. Assim, tomemos como referência às próprias palavras da autora: “o próprio pensamento emerge de incidentes da experiência viva e a eles deve permanecer ligado, já que são os únicos marcos por onde obter orientação”3
Desta forma, pergunta-se, que experiências históricas são essas a que Arendt dedicou parte de sua vida para pensá-las, a ponto de estas experiências provocarem uma ruptura com a tradição do pensamento ocidental? Essas experiências históricas, referenciadas pela autora, são o totalitarismo e, portanto Arendt nos chama atenção para um importante detalhe deste feito humano: “(...) o fio da tradição foi rompido. Ora, o que rompe com a história não é um acontecimento de pensamento, mas uma experiência histórica e antropológica, e esta rotura tornou-se patente, caiu no domínio público”.4 Daí a ênfase de Arendt recair na não separação entre a atividade do pensar e os eventos históricos, porque estes são os únicos marcos pelos quais podemos obter orientação, em meio a uma situação que não se sabe ao certo o que fazer, como por exemplo, o totalitarismo do século XX. Assim, uma das principais conseqüências trazidas por essa ruptura foi, justamente, à quebra do elo que existia entre a tradição de pensamento, que outrora ligava o passado e o presente. Por esse aspecto, o passado, que antes, iluminava o presente, a ponto de fornecer elementos usuais de compreensão dos fatos oriundos da ação dos homens, que por sua vez, subsidiava a atividade do pensar, foi anulado, em face ao fenômeno da ruptura, no século XX. Deixando, deste modo, os homens a vagar na escuridão5. Isso porque a tradição de pensamento, que trazia consigo todo o registro da ação humana, através do passado, foi assolada pelo espectro do terror, que sucumbiu com o elo que unia o passado e o presente. Deixando, assim, os homens a deriva no mundo. Portanto, essa é a primeira faceta trazida pelo novo à história, qual seja a quebra do fio entre o passado e o presente, que antes, orientava os indivíduos pelo caminhar no mundo. A priori, o novo, manifestado no século passado, veio sob a égide do mal, trazendo conseqüências catastróficas ao mundo, pois dizimou diversas minorias, dentre elas judeus, homossexuais e negros; extraiu a cidadania destes grupos, a ponto de transformá-los em seres supérfluos6, sem lei, sem direitos, sem liberdade política, enfim, como nos diz o antropólogo polonês Zygmunt Bauman, os grupos “fora da lei” – que não se enquadravam nas leis do totalitarismo –, foram transformados em “lixo humano”7
Por este aspecto, a esfera pública, hoje em declínio, era concebida, no passado, como sendo um local privilegiado, pois nele se manifestava a ação ou a liberdade humana8, ficando para nós, homens e mulheres da contemporaneidade, a lembrança capturada por Arendt. Nas palavras da autora: “A polis grega foi outrora precisamente a ‘forma de governo’ que proporcionou aos homens um espaço para aparecimento onde pudessem agir – uma espécie de anfiteatro onde a liberdade podia aparecer”,9 pois os homens inseridos neste campo estão abertos às virtudes cívicas (ao diálogo, à compreensão mútua e à persuasão) que possuem como horizonte, as pautas de interesse da coletividade que prima pelo bem comum.
Esse registro, tal como o fizemos –, qual seja o de resgatar o momento histórico político em que a ação política foi desenvolvida, é uma tarefa emergencial tendo em vista que; no tempo presente, a política, apresentasse com uma configuração tenebrosa em face a inserção do novo na história –, na esteira do pensamento de arendtiano, essa lembrança deve ser feita se, o que se quer, é de fato, encarar o espaço público como sendo o local destinado à aparição ao mundo, onde, as ações, nele desenvolvidas, possam ser transmitidas para a posteridade, tendo como horizonte o bem comum. Deste modo, às gerações futuras contemplaram um outro sentido da vida – a vida imortal – que é somente experimentado na esfera pública. Sobre esse aspecto (história e imortalidade), veremos, a seguir, o que os caminhos que as reflexões de Hannah Arendt aponta

A história 
A responsabilidade pelo mundo é também responsabilidade pela história, pela historicidade do mundo comum10
Anne-Marie Roviello
Em seu artigo: “O conceito de história – antigo e moderno”, publicado na obra Entre o passado e futuro, que reúne uma coletânea de textos, dedicada a temas diversos, como por exemplo, educação, cultura, história, política, entre outros, Arendt, inicia a caracterização da história também tendo como pressuposto o mundo antigo. Deste modo, a priori, suas considerações se assentaram em duas questões: mortalidade e imortalidade
Tendo em vista que homens e mulheres são seres mortais, posto que nasceram em um mundo que existia antes deles e que continuará a existir ao término do ciclo de vida de cada um, a humanidade anseia pela imortalidade11. Esta ânsia advém da vontade em se fazer eterno, mesmo estando ciente de que homens e mulheres são mortais. É nesta perspectiva, de atingir a imortalidade, que a humanidade lança mão do uso dos elementos imortais, oriundos da natureza, ou seja, do mundo, para assegurar a sua imortalidade
Com efeito, conforme pontua Arendt,
No início da História Ocidental, a distinção entre a mortalidade dos homens e a imortalidade da natureza, entre as coisas feitas pelo homem e as coisas que existem por si mesmas,era o pressuposto tácito da Historiografia. Todas as coisas que devem sua existência aos homens, tais como obras, feitos e palavras, são perecíveis, como contaminadas com a mortalidade de seus autores. Contudo, se os mortais conseguissem dotar suas obras, feitos e palavras, de alguma permanência, e impedir sua perecibilidade, então essas coisas ao menos em certa medida entrariam no mundo da eternidade e aí estariam em casa, e os próprios mortais encontrariam seu lugar no cosmo, onde todas as coisas são imortais, exceto os homens.12
Destarte, é cabível uma indagação: qual é a contribuição que Arendt traz sobre mortalidade e imortalidade, possibilitando, assim, pensarmos o objeto de estudo da história, bem como o ofício do historiador? Para Arendt, o objeto de estudo do historiador é o fato singular, pois, ele, consegue romper com toda cadeia de fatos edificada por homens e mulheres e que, até então, permanecia em vigor. Mas esse processo é rompido através da corrente subterrânea da história que, por intermédio da natalidade13, traz consigo a possibilidade de experimentação de algo novo que, até então, não havia ocorrido antes. Esse desconhecido é a possibilidade de realização de novos feitos, os quais revelam o seu esgarçamento em face ao processo anterior. Segundo Arendt,
O que para nós é difícil perceber é que os grandes feitos e obras de que são capazes os mortais, e que constituem o tema da narrativa histórica, não são vistos como parte, quer de uma totalidade ou de um processo abrangente; ao contrário, a ênfase recai sempre em situações únicas e rasgos isolados14
Contudo, se o objeto de estudo do historiador é a identificação do novo, posto que, desta forma, ele estará garantindo a imortalidade do homem no mundo por meio do resgate de suas ações empreendidas no espaço público, já engolfadas na história, então, logo se conclui que o ofício do historiador é a captação do evento singular, para garantir a imortalidade. Por isso, Arendt convida o historiador a se deter – quando este estiver envolvido com as interpretações das ações humanas, ou seja, com a atividade investigativa
60 dos fatos - ao dado singular dentro da história, tendo como horizonte a política. Isto porque, a ação humana, exercida livremente nos espaços públicos, corrobora a imortalização dos grandes feitos humanos
Assim, Arendt, inspirada em Heródoto, consagrado pela historiografia ocidental como sendo pater historiae, conclui como sendo atribuições do historiador:
[...] preservar aquilo que deve sua existência aos homens, [...] para que o tempo não o oblitere, e prestar aos extraordinários e gloriosos feitos de gregos e bárbaros louvor suficiente para assegurar-lhes evocação pela posteridade, fazendo assim sua glória brilhar através dos séculos.15
Inspirada nas proposições históricas levantadas por Walter Benjamim16, ela argumenta que o historiador deve ficar atento ao novo17. Porque ele, no momento de sua aparição à humanidade, traz à luz o que estivera, até então, oculto aos olhos dos homens, o que, simplesmente, era considerado como passado. Contudo, esse passado que era dado como algo encoberto se faz presente, e o presente, propriamente dito, passa a assumir a posição de passado, até que surja, novamente, algo novo para que o presente, que passou a ser visto como passado, possa reaparecer. Assim, Arendt, se pronuncia dizendo que,
O novo é o domínio do historiador que, ao contrário do cientista natural preocupado com os acontecimentos sempre recorrentes, lida com eventos que sempre ocorrem somente uma vez. O que o evento iluminador revela é um começo no passado que até então estivera oculto; aos olhos do historiador, o evento iluminador só pode aparecer como um final para esse recém-descoberto início. Só quando, na história futura, um novo evento ocorre, é que esse “final” irá revelar-se como um início aos olhos dos futuros historiadores. E os olhos do historiador representam somente o olhar cientificamente treinado da compreensão humana; só podemos compreender18 um evento como o final e a culminação de tudo o que aconteceu antes, como “preenchimento dos tempos”; somente é que cabalmente avançamos com relação ao conjunto transformado de circunstâncias que o evento criou, isto é, tratamos esse evento como um começo. 19
É por esse particularismo, inerente ao exame dos fatos históricos, que Arendt pode ser, de fato, considerada como uma storyteller. Mas, o que seria, afinal, um storyteller e qual a ligação e o peso que essa nomeação pode acarretar de significativo ao pensamento da autora, que por sua vez, pode contribuir ao ofício do historiador? As linhas que se seguem procuram apontar na direção destas inquirições

A narração
(...) todos os desgostos e tristezas são suportáveis se deles se faz um conto, ou se o contamos20
Isak Dinesen
É interessante notar o seguinte aspecto no pensamento arendtiano, mesmo diante de uma situação em que parece que a humanidade está situada em um caos absoluto, o caminho indicado pela autora, para inspirar as pessoas a refletirem sobre as alternativas a serem tomadas, mesmo perante o esgarçamento da tradição filosófica, é a via do storyteller
É neste aspecto que se faz evidente a importância da narração como categoria interpretativa à luz do pensamento arendtiano. Segundo Felício, trata-se de:
Narrar a experiência, ao contrário de escrever uma história do totalitarismo. No lugar de afirmar, então, em Origens, que o totalitarismo podia ser explicado à luz da história, o que Arendt fez foi analisar em termos históricos os elementos que se cristalizaram neste acontecimento que, em seus termos, “é o acontecimento central de nosso mundo”21
Por este viés, o foco central desta empreitada de Arendt consiste em narrar o fenômeno totalitário, a partir do suposto de que ele é o fator que é tributário à ação humana, desenvolvida no espaço público. E essa é, portanto, a via em que se vincula a corrente narracional, que, por sua vez, trata-se de uma metodologia epistemológica emoldurada por Arendt – que por sua vez, possuí suas marcas vinculadas ao legado do filósofo alemão Walter Benjamin –, já que a teórica política não pôde contar com o auxílio da tradição filosófica Ocidental e posto, ainda, que esta havia sido esfacelada frente ao imperativo totalitário. Se o caminho encontrado por Arendt – através do método narracional (storyteller) – deita suas raízes no espaço público, para rever a situação em que a humanidade viu-se situada, diante do mal, então, a reversão deste dado – o de neutralizar o fenômeno do terror – também está locada no espaço público. Por essa via, qual seja, a de recontar a história do totalitarismo, a partir da narração, é que Hannah Arendt é entendida como sendo uma narradora. E o exercício da função do narrador, encarado aqui, aos moldes das reflexões de Walter Benjamin é: “(...) retirar da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes.”22 Por isso, o principal objetivo de Arendt, ao recontar a história do totalitarismo é o de: “(...) recuperar aqueles tesouros políticos não tematizados filosoficamente, aqueles fragmentos preciosos e preteridos que, hoje, restariam ocultos por entre os destroços da tradição (...)”23. É por este caminho que a pensadora não descarta a via da busca de alternativas de fuga, dos tempos sombrios, tendo como ponto de partida à situação caótica do tempo presente. Porque, ela vislumbra, nessa circunstância, a possibilidade de reconciliação com o passado esquecido, em que tal esquecimento é atribuído à ruptura da tradição ocidental de pensamento, que foi consolidada a partir do totalitarismo. Há de se ressaltar que Arendt não estava interessada em captar o cerne que elevou o totalitarismo ao poder, para que pudesse assim compreendê-lo, mas, antes, ao ser adepta ao estilo narrativo benjaminiano, o que a inquietava no totalitarismo e que fez com ela recuasse à narração era porque,
A narração não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.24
Destarte, o rumo que orientou a teoria de Hannah Arendt pode ser visto a partir do mapeamento das situações em que o novo se manifesta. Esse diagnóstico é engendrado pelo historiador e pelo romancista e muito pode oferecer os lampejos da política, à humanidade, no instante em que o novo veio à tona. Porquanto, ao chamar atenção à ação política, entendida aqui, como sendo intercambiável com a liberdade, de acordo com a teoria de Hannah Arendt, a pensadora estava convicta de que somente o retorno ao passado, poderia garantir a recuperação dos fragmentos políticos, a partir do suposto de que historiadores e romancistas, através da narrativa, poderiam autorizar os homens à ação. “A função política do narrador de estórias (storyteller), seja ele “historiador ou romancista”, é a de provocar uma “catarse” que libere os homens para a ação e para o juízo”25
É nesse horizonte, que Arendt recua ao filósofo Walter Benjamin, para dizer que, os romancistas e os historiadores, são de fato, “pescadores de pérolas”, porque eles se detêm à função de apanhar os estilhaços do passado, rompido com quebra do vínculo da tradição
Entretanto, esse caminho, indicado pela autora, só é possível se o pensarmos26 pelo viés do acontecimento. “A história é constituída por acontecimentos, ou seja, por aquilo que interrompe processos, sendo propriamente o imprevisível, o indedutível”27

Considerações finais
A maneira encontrada por Arendt para encarar o advento do mal, no século XX, mediante a ruptura que houve com a tradição de pensamento, e assim compreendê-lo, é o contar “estórias”. Segundo, Aguiar, para além de uma perspectiva de visualização de Arendt como sendo uma contadora de “estórias”, a autora pode ser entendida como “(...) uma storyteller do mundo contemporâneo. Em todos os seus escritos, é possível perceber que ela está perseguindo uma luz que ilumine o que o homem está fazendo na atualidade, o que pretende com as suas instituições e seus modos de vida”28. Essa é a outra face que o evento singular/novo pode manifestar à humanidade visto sob o ângulo da esperança, que pode ser creditada à ação política, e a ela, a expectativa de algo novo acontecer. Pois, afinal, a lembrança de Arendt, que nos fica, sobre o agir humano, desenvolvido no espaço público, - recuperada no mundo antigo - respaldado pela liberdade de ação, calcada na compreensão mútua e na persuasão, é o de que: somente a ação humana é capaz de feitos imensuráveis
Sob este âmbito temos uma dupla face da ação. De um lado, como foi acenada, a ação, vista aqui sob a égide da imprevisibilidade, foi capaz de promover, no século passado, algo inédito na história, a ascensão ao poder feita pelo totalitarismo (que carimbou a introdução da violência na política). Mas, por outro lado, também entendido sob a espreita do acontecimento/novo, a ação política, foi capaz, outrora, de lançar raios de luzes à humanidade e evidenciar que a política é, por excelência, o antídoto para combater a outra face maléfica do novo. Um exemplo disso, que muito inspirou Arendt a pensar a existência da política, em nosso tempo, são os sistemas de conselhos, porque através dele os homens “recuperaram” o gosto pela ação. E também, por meio desses conselhos, foram desencadeadas outras manifestações, genuinamente, de forte cunho político, tal como no passado havia, um exemplo disso foram as Revoluções Modernas. Sobre o sistema de conselhos Arendt nos diz,
Organização espontânea de sistemas de conselho ocorreu em todas as revoluções: na Revolução Francesa, com Jefferson na Revolução Americana, na Comuna de Paris, nas revoluções russas, no despertar das revoluções na Alemanha e Áustria, no fim da Primeira Guerra Mundial e finalmente na Revolução Húngara29
Esse foi, então, o propósito deste texto, o de apontar a dimensão da história, da política e da narração, tendo como pressuposto o novo ou o acontecimento singular na história da humanidade, para de fato, possamos resgatá-lo, nos tempos sombrios
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Notas:
*        Graduado em história, UCG, membro do GED (Grupo de Estudos da Democracia), ligado à rede FAPEG
1        ARENDT, Hannah. A condição humana, p. 189
2        Grifo nosso
3        ARENDT apud FELÍCIO. HANNAH ARENDT: história e acontecimento, p. 01
4        ARENDT apud AMIEL. HANNAH ARENDT: Política e acontecimento, p. 08
5        Sobre esse assunto, considerando o suposto de Tocqueville ele nos diz: “(...) como o passado já não ilumina o futuro, o espírito avança nas trevas” (TOCQUEVILLE apud AMIEL, 1996, p. 09)
6        Uma análise mais detida sobre o regime totalitário como sendo o provedor da superfluidade humana, conferir em: CORREIA, Adriano. Os campos de concentração e a fabricação da superfluidade. In.: Fragmentos de Cultura, 2003, p. 201-216
7        Essa expressão é recorrente na obra do antropólogo intitulada de: Vidas desperdiçadas, Rio de Janeiro. Ed  Jorge Zahar, 2005
8        Arendt contempla a liberdade e a política como termos intercambiáveis, tendo em vista que a existência de uma prescrevia a outra. “A liberdade como fato demonstrável e a política coincidem e são relacionadas uma à outra como dois lados da mesma matéria”. (ARENDT, 2002, p. 195)
9        Idem. Entre o passado e o futuro, p. 201
10      ROVIELLO, Anne-Marie. Senso comum e modernidade em Hannah Arendt, p. 71
11      Tomando de empréstimo as palavras de Arendt, sobre a imortalidade, entendemos que: “Imortalidade é o que a natureza possui sem esforço e sem assistência de ninguém, e imortalidade é, pois, o que os mortais precisam tentar alcançar se desejam sobreviver ao mundo em que nasceram, se desejam sobreviver às coisas que nos circundam e em que cuja companhia foram admitidos por curto tempo.” (ARENDT, 2002, p. 78)
12      Idem. Ibidem, p. 72
13      A natalidade é um assunto que Arendt concede grande primazia, porque, somente por ela, a autora vê a chance de realização da história e da política. Porque ao pensarmos em natalidade, logo de imediato, vem a tona um outro termo correlato, a singularidade. “Isso, do ponto de vista geral e essencial, é a singularidade que distingue cada ser humano de todos os demais, a qualidade em virtude da qual ele não é apenas um forasteiro no mundo, mas alguma coisa que jamais este aí antes.” (ARENDT, 2002, p. 239)
14      Idem. Ibidem, p. 72
15      Idem. Ibidem, p. 70
16      As teses de W. Benjamim, sobre a história, foram publicadas no livro Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Ed. Brasiliense, 1994. Vale a pena salientar que, após a morte de Benjamin, Arendt esteve com a posse de parte do seu espólio
17      Grifo nosso
18      Grifos da autora
19      ARENDT, Hannah. A dignidade da política, p. 49 e 50
20      Isak Dinesen apud Kristeva. In.: O GÊNIO FEMININO: A vida, a loucura, as palavras, p. 91
21      FELÍCIO, Carmelita Brito de Freitas. HANNAH ARENDT: História e acontecimento, p. 01 e02
22      BENJAMIN. Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In.: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura/Walter Benjamin, p. 201
23      DUARTE, André. HANNAH ARENDT ENTRE HEIDEGGER E BENJAMIN: A crítica da tradição e a recuperação da origem política. In.: HANNAH ARENDT: Diálogos, reflexões, memórias, p. 78
24      BENJAMIN. Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In.: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura/Walter Benjamin, p. 205
25      ARENDT apud DUARTE. O PENSAMENTO A SOMBRA DA RUPTURA: política e filosofia em Hannah Arendt, p. 270
26      Ao longo destas considerações viemos afirmando, enfaticamente, que a Arendt clama a humanidade para o pensar. Mas, sumariamente, o que significa o pensar à teórica? Ela nos diz que trata-se de: “Pensar com a mentalidade alargada significa treinar a própria imaginação para sair em visita” (ARENDT apud AGUIAR, 2001, p. 225)
27      AMIEL, Anne. HANNAH ARENDT: Política e acontecimento, p. 49
28      AGUIAR, Odílio Alves. Pensamento e narração em Hannah Arendt. In.: Hannah Arendt: diálogos, reflexões e memórias, p. 218
29    ARENDT apud FELÍCIO. A PAIXÃO PELA LIBERDADE: um horizonte para pensar a Democracia e a República em Hannah Arendt, p. 06
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Referências Bibliográficas:
AGUIAR, Odílio Alves. Pensamento e narração em Hannah Arendt. In: MORAES e BIGNOTTO (orgs.) Hannah Arendt: diálogos, memórias, reflexões. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003
ARENDT, Hannah. A dignidade da política: ensaios e conferências. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 1993
_______.A condição humana. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2003
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2004
65 _______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002
AMIEL, Anne. HANNAH ARENDT: política e acontecimento. Lisboa: Ed. Instituo Piaget, 1996
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2005
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994
CORREIA, Adriano. Os campos de concentração de concentração e a fabricação da superfluidade. In.: Revista Fragmentos de Cultura. Goiânia, Ed. UCG, 2003
DUARTE, André. O pensamento a sombra da ruptura – política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000
________. Hannah Arendt entre Heidegger e Benjamin: a crítica da tradição e a recuperação da origem da política. In: MORAES e BIGNOTTO (orgs.) Hannah Arendt: diálogos, reflexões e memórias. Belo Horizonte: UFMG, 2003
FELÍCIO, Carmelita Brito de Freitas. Hannah Arendt: história e acontecimento. V Colóquio: Filosofia, Literatura e História. Mesa-redonda: Filosofia & História (27/04/2005). (mimeo)
________. A PAIXÃO PELA LIBERDADE: um horizonte para pensar a Democracia e a República em Hannah Arendt. II Seminário: Problemas do Estado Democrático Contempoâneo – O futuro da democracia – Homenagem especial à Hannah Arendt e Aléxis de Tocqueville. (09/2005). (mimeo)
KRISTEVA, J. O gênio feminino - Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Rocco, 2007
RONIELLO, Anne-Marie. Senso comum e modernidade em Hannah Arendt
Lisboa: Ed. Instituto Piaget, 1987

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ancorar e dormir ou alçar velas?

Navegar é alcançar um porto seguro após velejar por águas revoltas ou por águas calmas. Nos portos os homens se encontram e se cada um estiver carregando um pão, podem trocar os pães, mas cada homem sai com apenas um. Entretanto, se dois homens se encontram e cada um carrega uma idéia, também podem trocar as idéias, e cada um volta a velejar com duas.

Chegar e partir são, assim, comuns aos veleiros como também à vida. Alçamos as velas e nos lançamos ao desconhecido com a certeza que não estamos aqui para ficarmos inertes, pois o próximo porto nos aguarda cheios de novidades e nos traz à vida o sentido de pertencimento.

A sexualidade como as velas, quando neurotizada ou presas, podem trazer o estranhamento e o sentimento de não-pertencimento. As velas devem sempre ser alçadas, em contrário a impotência, imaturidade sexual e o não-controle do orgasmo perante a vida tornam-se presentes, e tenha certeza, o são, mais freqüentes do que imaginamos.

Um homem invisível não troca informações nem reconhece com facilidade seus pares e aprende, equivocadamente, que alçar velas é uma doença ao acreditar e incorporar aos seus sentimentos o senso comum dos portos estéreis. Sofre, então, um terrível quadro de baixa auto-estima, pois acredita que merece sofrer em silêncio, isolado, sem apoio, sem amigos.

Precisamos, pois, elaborar um discurso que exprima nossas idéias, que fortaleça nossa auto-estima. Afinal, alçar velas é apenas umas das inúmeras formas de expressão da afetividade humana. Se esse é o nosso porto, devemos desfrutá-lo da melhor maneira possível, sem nenhum estranhamento.

Nunca é demais refletir sobre os estereótipos solidamente arraigados na cultura, incorporados até na bagagem intelectual de homens mais esclarecidos, e sobre a criação de uma espécie de modelo clássico na identificação dos apaixonados pelas velas e que retrata, com variações que não invalidam a concepção original do porto seguro, o perfil do velejador assumidamente livre. Estes, no caso dos homens, seriam diferenciados pelo modo de pensar, de olhar, de se comunicar etc.

A manutenção da condição de velejadores livres, quer por alegada aversão ideológica ao compromisso, quer por suposta dificuldade de ordem cultural para contraí-lo, é uma crendice em descompasso com a realidade universal. Hoje, a maioria, a esmagadora maioria dos velejadores livres é comprometida e têm filhos, numa proporção estimada de quatro para cada grupo de cinco que adotam uma das inúmeras formas de expressão da afetividade humana alternativa. Fato suficiente para não excluir do texto a relação velejador-livre/compromisso. A própria história humana, aliás, incumbe-se de estabelecer esta relação.

Assim, um homem que desenvolve uma expressão de afetividade com outro homem não sacrifica necessariamente sua masculinidade, desde que desempenhe seu papel ativo e culturalmente entendido com maestria e masculinindade durante a relação afetiva e se comporte como um homem dentro da sociedade. Em contrário torna-se sujeito da mais severa estigmatização da sociedade. Não perca, portanto, seu espírito de velejador livre.

sábado, 3 de julho de 2010

Os saberes sobre a cidade: tempos de crise?

Marcos Simão

Crise, este é o mote do texto que tem como intuito colocar em discussão a necessidade urgente de se pensar o novo e escutar os profissionais que produzem idéias ligadas à sociedade, por um lado, e às rivalidades intelectuais, por outro. Crise urbana como conseqüência de uma crise econômica e crise de crescimento, abrindo portas para que os especialistas da cidade e do território usem o termo para enunciar a urgência de uma questão urbana.
O conhecimento ponteia essa eventual crise que povoa a comunidade de produtores e de representações científicas, e, sua real existência encerra o drama assegurado pelo termo “crise” e sua relação entre saber e poder.  O paradigma das ciências sociais e especificamente da ciência da cidade se edificaram no estreito elo entre o discurso científico e o progresso social, os saberes sobre a cidade e um projeto progressista. O rompimento desse elo representa a dissolução de toda a base da construção do saber. Trata-se de decifrar, então, a ordem escondida sob a desordem urbana e romper com que se chama de curso natural das coisas. É instigante  observar a construção enfática de relações entre ciência urbana e um projeto de ordem espacial, e sua dimensões com a ordem produtiva e a ordem política, culminado pela questão sobre o que nos resta hoje. Será o fim das energias utópicas? Acredito que não.
Estatísticas sanitárias, a epidemiologia, a criminologia ambientalista, observações sistemáticas dos cortiços e dos seus habitantes foram o pontos de partida parciais para o a emergência do conhecimento global sobre a cidade, marcando o origem das ciência das cidades. Assim a “desordem é a imagem invertida de uma ordem escondida, ainda potencial, e que a ciência urbana é uma política experimental devem tornar real”.  Este é concepção pode ser corroborada pelo argumento de que “até para reconhecer o que é anormal, e mais ainda para remediá-lo, nós devemos conhecer alguma coisa do curso normal da evolução” Lewis Munford - 1905.
Forjar categorias descrição e de análise permite representar a realidade atual em sua relação necessária com aquilo que sequer que ela se torne e este elo íntimo entre momento cognitivo e momento prático e constitutivo das ciências das cidades. “Esses momentos dependem da história social da produção, das representações científicas e, em particular, da história do próprio mundo da ciência em si e de suas relações com a sociedade”. O paradigma da ciência urbana apoia-se em argumentos como os que de a cidade pode se tornar num fator de progresso, funcionando como um organismo ou sistema onde o bom funcionamento dos elementos depende do bom relacionamento dos conjuntos e ainda apoia-se sobre o método experimental: é arte e ao mesmo tempo que ciência.
A ordem urbana e a ordem produtiva ligam a cidade à conceitos metafóricos da cidade-fábrica superpostas à metáforas do organismo urbano, principalmente após a segunda guerra mundial. A cidade, que deu origem ao indivíduo e às instituições políticas moderna, torna-se também o lugar emblemático da dissolução do elo social. Elaboração científica de um pânico social, essas representações são amplamente difundidas entre a burguesia. Recriar o elo social sobre novas bases, torna-se o programa dos cientistas social e das cidades. O direito ao voto, e a ordem política, a criação dos bairros populares, fazem surgir o cidadão. Organizar a comunidade pela base, o objetivo de uma outra corrente das ciências da cidade. Espera-se assim de uma mudança urbana e da ciência que a orienta um progresso de ordem política.
A ciência urbana, por um lado, reivindica enunciar os saberes produzidos por procedimentos de objetivação do método científico, distintos dos saberes com finalidade prática e, por outro a institucionalização universitária, mais precisamente se afirmar com a legitimidade e a especificidade da “ciência pura”. É talvez em conjunturas onde esse reconhecimento social tornou-se problemático que aparece uma crise de projetos, acompanhada de uma crise de saberes. Assim nasce o urbanismo moderno, a ciência e o planejamento regional e o planejamento estratégico. Fazendo as ciências das cidade candidatas naturais a administrar, aliadas à políticas e políticos preconizadores naturais da despolitização, fornecendo a esses um vocabulário suscetível de cimentar a unidade nacional. As ciências urbanas conhecem, então, um rápido desenvolvimento. Tornam-se ciências do Estado. Porta voz dos que se calam, o pesquisador pretende ser somente o eco fiel da realidade, e dela fornecer uma interpretação especificamente científica. Enfim, as ciências da cidade apóiam-se sobre um relação privilegiada e ambígua com o poder e a política o que a faz perder muito da sua legitimidade.
Á árdua mas não menos instigante, a discussão coloca em cheque os saberes da cidade no campo das idéias e na formação do conhecimento com um enredo histórico dessa construção. O grande mérito foi justamente reconhecer que é necessário retomar a produção do conhecimento em outras bases que não seja àquela vinculada ao sistema de produção ou de poder político. Obviamente estas são variáveis importantes na produção das ciências das cidades, mas não podem ser referência na construção das idéias, ou seja reconhece-las como peças-chave na construção do conhecimento científico sobre a cidade, mas sem o vínculo ambíguo e perigoso que configurou sua trajetória. Recuso-me, entretanto, a apregoar e acreditar no fim das energias utópicas, aquelas capazes de anarquizar para poder reconstruir e sempre buscando observar o desordenado e o desconhecido para conhecer a lógica do ordenado e conhecido.

Entre o passado e o futuro

O Conceito de História - Antigo e Moderno
Hannah Arendt
por: Marcos Simão
I - História e Natureza
A consciência da mortalidade dos homens e a tarefa da História, nascida então por Heródoto, considerando que as coisas da natureza sejam improváveis de ignorância e esquecimento, uma vez que existem para sempre e não necessitam da existência do homem para serem recordadas. Assim a vida individual do homem distingui-se de todas as outras coisas, secciona transversalmente os movimentos circulares da vida biológica. O homem e sua obra, o homem mortal e a obra do homem imortal. Entretanto os grandes feitos e obras de que são capazes os mortais e eu constituem o tema da narrativa histórica, não são vistos como parte, quer de um totalidade ou de um processo, ao contrário, recai sempre em situações únicas e rasgos isolados.
Na antigüidade tardia especulações acerca da natureza da história e de seu processo teriam de ser circulares, construídos à partir da vida biológica. O homem não deixaria de ser mortal, mas a sua obra passaria a sê-lo, fazendo com que os termos de Poesia e Historiografia perdessem o significado primitivo da grandeza dos mortais como distinto da dos deuses e da natureza.
Com Heródoto as palavras e ações do homem tornaram-se o conteúdo da História e esta uma categoria da existência humana. Em outras palavras a "estória" de uma vida fora do próprio objeto, para todos verem e ouvirem.
O paradoxo e o aspecto trágico da cultura grega residia em que tudo era visto como pano de fundo das coisas que existem para sempre. Assim a grandeza humana era compreendida como residindo nas palavras e feitos. Um paradoxo poético e não filosófico. fazendo que com que os feitos e palavras perdurassem não somente além do momento do discurso ou da ação, mas além da vida mortal de seu agente. Haviam então descoberto, na atividade do próprio pensamento, uma capacidade para libertar-se de toda a esfera dos assuntos humanos.
Usando a História, os homens se tornariam através dos feitos e palavras quase igual a natureza. Grande era o que merecera imortalidade, preocupação essa que baseia-se no conceito de Natureza e História cujo o denominador comum era a própria imortalidade.
O conceito Moderno de História não é menos ligado ao moderno conceito de Natureza. Hoje os cientistas naturais admitem que ao observar o experimento, se torna uma de suas condições, introduzindo assim, um fator subjetivo nos processos objetivos da natureza. A antiga polêmica, portanto, entre a "subjetividade" da Historiografia e a "objetividade" da Física perdeu grande parte de sua relevância.
A objetividade, estreitamente ligadas a não-interferência e a não-discriminação constituem ainda o ponto curioso e embaraçador acerca das Ciências Históricas. Diferentes das Ciências Naturais cujos os padrões científicos culminavam na "extinção do eu". O problema da objetividade científica devia-se à auto-incompreensão histórica e a confusão filosófica em tão larga escala que se tornou difícil reconhecer o verdadeiro problema em jogo.
A imparcialidade, que significa livre de julgamento objetivo, mostrou, a partir de Homero, a possibilidade de compreender o mundo do ponto de vista do outro, a ver o mesmo em aspectos vem diferentes e, freqüentemente opostos.
A moderna idéia de História foi fortemente estimulada pala dúvida da época moderna acerca da realidade de um mundo exterior dado "objetivamente" à percepção humana como objeto imutado e imutável, ou seja a busca da verdade e do conhecimento, segundo Descartes, não pode confiar nem na evidência dada dos sentidos, nem na "verdade inata" na mente, nem tampouco na "luz interior da razão", justificado pela perda de confiança na capacidade reveladora da verdade dos sentidos, compreendida sempre como conseqüência da atemorizadora simplicidade da relação do homem para com o mundo. A conseqüência foi, após a ascensão das Ciências Naturais, diante da infidedignidade da sensação e da resultante insuficiência da mera observação, voltou-se em direção ao experimento ou na sua versão mais inofensiva, o empirismo inglês.
A Ciência moderna nasceu quando a atenção deslocou-se da busca do "que" para a investigação do "como", ou seja, que eu conheça uma coisa sempre que compreenda como ela veio a existir, ao mesmo tempo a ênfase deslocou-se do interesse nas coisas para o interesse em processos. Assim, a História na época moderna tornou-se um processo feito pelo homem, o único processo global cuja existência se deveu exclusivamente à raça humana.
A tecnologia como área de interseção entre Ciências Naturais e Históricas. As Ciências Sociais tornou-se para a História o que a tecnologia fora para a Física, em outras palavras, podem utilizar-se de experimentos de uma forma mais grosseira e menos segura do que as Ciências Naturais, porém o método é o mesmo. A conexão está no conceito de processo, não nos interessando por entidades singulares ou ocorrências individuais e suas causas distintas e específicas. O processo representa para a Historiografia moderna o que a imortalidade significou para a História na Antigüidade, como resultado inevitável da ação humana.

II - História e Imortalidade Terrena
O conceito moderno de processo, compreende de mesma forma a história e a natureza, onde nada é significativo em si ou por si mesmo. Processos invisíveis engolfam todas as coisas tangíveis ou entidades individuais. O conceito de processo implica assim, a dissociação do concreto e do geral, a coisa ou evento singulares e o significado universal. O processo, que tone por si só significativo e que quer que porventura carregue consigo. Adquiriu assim um monopólio de universalidade e significação. Assim para os gregos e romanos, a lição de cada evento, feito ou ocorrência revela-se em e por si mesma, não excluindo, seja a causalidade, seja o contexto. Causalidade e contexto eram vistos sobre o próprio evento, mas não eram considerados detentores de uma existência independente. A noção atual de História confete a seqüência temporal uma importância e dignidade que ela jamais tivera antes, herdada da tradição hebraico-cristã.
Para o cristão e para o romano, a importância de eventos seculares está no fato de possuírem o caráter de exemplos que provavelmente se repetirão de modo que a ação possa seguir certos modelos padronizados. Surgindo a cronologia a partir do nascimento de cristo, proporcionando uma dupla infinitude do passado e do futuro, eliminando as noções de princípio e fim, e uma potencial imortalidade terrena.
A consciência da época moderna sobre a noção de história atingiu se clímax na filosofia de Hegel, onde a verdade reside e se revela no próprio processo temporal, na tentativa de transpor o golfo que separa uma cultura religiosa do mundo secular. Entendendo secularização, assim, simplesmente como a separação de religião e política. Admitindo-se, em outras palavras, a existência de um reino independente de idéias puras. O problema da política então readquiriu a relevância para existência dos homens que lhes faltava desde a idade média, ou seja, o fundamento de um organismo político era dado pela necessidade de vencer a imortalidade da vida humana e a futilidade dos feitos humanos.
Dentro dos limites do dilema tradicional, atribuindo a imortalidade ou à vida ou ao mundo, imortalizar nó pode ser significativo se não houver garantia nenhuma de vida futura. A época moderna descobre assim, na imortalidade potencial da espécie humana, o conteúdo do nosso conceito de História, estabelecido pala dúplice infinitude do processo histórico, onde a noção de um fim é virtualmente inconcebível.

III. História e Política
Na época moderna, o moderno conceito de história tornou-se útil para dar às questões políticas um significado.
O conceito de história de Marx está ligado ao conceito de Vico _ “história é feita pelos homens”. Assim, a autora coloca que a importância deste conceito era teórico, pois nenhum daqueles que o utilizaram aplicou este conceito diretamente à ação. A verdade era revelada ao vislumbre contemplativo de historiador.
Marx combinaria noções de história com filosofias políticas, onde os “designos superiores” poderiam se tornar fins intencionais de uma ação política. Para Marx a liberdade é o fim da ação humana, o produto final de um processo de fabricação.
Se é possível fazer história com um fim, a história se transforma em um objeto de um processo de fabricação, onde consequentemente haverá um fim para a história.
Já para Kant, a idéia da história como um processo sugere serem os homens em suas ações conduzidos por algo que eles não têm consciência, “o ardil da natureza”, que foi o mesmo que Hegel denominou mais tarde de “a astúcia da razão “Refutadas as questões Kantianas e Hegelianas de compreensão do significado do processo histórico, no modernismo mais recente os homens parecem provar qualquer hipótese que decidam adotar.
Nos estudos desenvolvidos pela autora sobre o totalitarismo, o fenômeno totalitário já parte do princípio que tudo é possível e que a ação pode ser baseada em qualquer hipótese.

Competição on competition

Michael Porter 1999
por: Marcos Simão
Competitividade das localidades
O esforço criativo humano é o produto que impulsiona a prosperidade de uma localidade, diferentemente da insistência dos economistas clássicos, ela não advêm dos dotes naturais  de uma pais, de sua força de trabalho, de sua taxa de juros ou do valor de sua moeda. A importância de uma localidade aumenta na medida que seus esforços são direcionados para a criação e assimilação do conhecimento, gerado e sustentado em um processo estritamente localizado, em outras palavras, "são as diferenças nos valores locais, a cultura, as estruturas econômicas, as instituições e a história que contribuem para o êxito competitivo local." (Porter, 1999)
Estas diferenças locais, que proporcionam a sua competitividade não pode ser compreendida pelo conjunto de sua economia, pois não há localidade competitiva em todos os setores. As vantagens competitivas, em geral, se concentram em segmentos setoriais específicos, onde a geração da vantagem é baseada na qualidade, nas características e na inovação dos produtos e serviços. Mais ainda, partem da premissa de que a competição é dinâmica e evolutiva.
Outro aspecto que determina a competitividade local reside no próprio mercado local e no nível de exigência desta demanda doméstica que pressiona por elevados padrões de produtos e serviços e instiga a melhoria e a inovação a se expandirem para segmentos mais elevados. As necessidades muito rigorosas resultam dos valores e circunstâncias locais e podem moldar as tendências do mercado global, em outras palavras, as necessidades locais podem antecipar ou mesmo moldar, representando constantes "indicadores preliminares" das necessidades de outras localidades.
Um terceiro determinante na vantagem competitiva local é a presença de setores correlatos e de apoio também competitivos, que vão muito além do simples acesso aos componentes e máquinas, residem principalmente no apoio em termos de inovação e melhoria, sobretudo em estreitos relacionamentos de trabalho. Aproveitando-se das linhas de comunicação mais curtas, do rápido e constante fluxo de informação e do constante intercâmbio de idéias e inovação, estes setores têm a oportunidade de influenciar o esforço técnico entre si e são capazes de servir como campo de testes para os trabalhadores de P&D, acelerando o ritmo da inovação.
Desta forma a inovação e a tecnologia pode ser vista como a força motriz do desenvolvimento pela vantagem competitiva local, realinhando os seus modos de gestão rumo à uma melhora da qualidade de vida dos cidadãos. A presença do Estado que constituiu a base de um desenvolvimento, que já foi novo, e, tornou-se obsoleto, principalmente em uma sociedade baseada no conhecimento, na alta produtividade e na tecnologia de ponta, requer uma responsabilidade social inequívoca de todos os atores sociais.
Resta-nos ainda alguns questionamentos inevitáveis:
Quais são os atores e fatores que levam ao desenvolvimento, ao mesmo tempo que conserva nossos valores culturais e tradições mais marcante? Qual é a nossa responsabilidade histórica com as novas gerações? A resposta que parece obvia requer muito trabalho e estudo. Legar-lhes a certeza de que não somos fadados ao fracasso, mas destinados do sucesso de cada um e de todos.
Para ser sustentado e sustentável, um projeto que vislumbre a conservação e o desenvolvimento terá de buscar otimização conjunta nos campos setoriais e regionais, fluindo no tempo. Como foi argumentado acima, em uma economia com crescente globalização, paradoxalmente, muitas das vantagens competitivas residem crescentemente, em aspectos locais – conhecimento, relacionamentos e motivações que os concorrentes, a distância, não podem alcançar.
Um novo paradigma traça as novas perspectivas de se alcançar um nível superior de desenvolvimento, que na era da informação e do conhecimento se caracteriza, entre outros, por fatores que envolvem uma constante e rápida revolução tecnológica, disputa por talentos, maior rivalidade entre empresas e uma nova forma de atuação dos governos, ao mesmo tempo pela conservação do Patrimônio Histórico e Cultural locais. Esse novo paradigma inclui ainda fatores de origem microeconômico[1]. Esses fatores enfatizam o conceito de vantagem competitiva, os quais avançam para além das fronteiras do empreendimento, surgindo o conceito de "aglomerados" ou "clusters".
A cooperação entre entidades ou empreendimentos que formam uma mesma cadeia de valor e gravitam em torno dela pode gerar uma dinâmica com muitos vencedores. Universidades capacitadas e alinhadas com as necessidades da comunidade econômica local educam melhor as pessoas que irão trabalhar nos centros de pesquisa e desenvolvimento das empresas, levando inovações aos produtos e fazendo aumentar sua competitividade. Esses ciclos ocorrem nos mais diversos pontos ao longo das cadeias de valor das mais variadas atividades.
Três são os fatores para a manutenção das vantagens competitivas.
·               primeira, é da fonte específica da vantagem que pode ser de natureza inferior (mão-de-obra, matérias primas, etc.) ou de natureza superior (mais duráveis – tecnologias de processo e diferenciação baseada em produtos ou serviços)
·               segunda, e da fonte distinta da vantagem, ou seja se o empreendimento depende apenas de uma ou de numerosas vantagens, o que reforça a posição do mercado e da competição.
·               terceira, manutenção da vantagem, aprimoramento constante de todos os processos produtivos.
O que se observa é que a presença de empreendimentos na mesma cadeia de valor cria potencial para gerar e aumentar a competitividade e o valor das atividades ali desenvolvidas, contribuindo de forma decisiva para o aumento da competitividade local e para a consolidação do processo de criação de valor para um grupo de empreendimentos.
Enfim, o que é Aglomerado ou Cluster
Pode ser definido como um conjunto de empresas ou empreendimentos que interagem, gerando e capturando sinergias com potencial de atingir crescimento contínuo superior ao de um simples aglomerado econômico. Nele os empreendimentos estão geograficamente próximos e pertencem a uma cadeia de valor de uma atividade. Neles são considerados os aspectos setoriais e regionais, apoiados nas vantagens competitivas e no conceito amplo de competitividade, respectivamente. Neste caso a noção de Aglomerado tem sido utilizada para avaliação da competitividade de uma dada região e a identificação de áreas em que a ação governamental pode melhorar o ambiente regional para os negócios.
O conceito de Aglomerado, entendido por Porter, representa uma nova maneira de pensar as economias nacionais, estaduais e urbanas e aponta para os novos papéis das empresas, dos governos e de outras instituições que se esforçam para aumentar a competitividade (Porte, M , 1999).
Os objetivos de um Aglomerado são principalmente aprimorar e ampliar as relações comerciais de uma cadeia de valor, localizada em uma mesma área geográfica, promovendo as interações de marcado e a transferência de tecnologias e informações, assim como envolvimento em P&D de soluções abrangentes para determinado ramo de atividade e o incremento da capacidade de seus membros de encontrar soluções inovadores para seus problemas.
Antecedentes Históricos e Intelectuais da Teoria dos Aglomerados
Há muito tempo os aglomerados são parte da paisagem econômica, datando de séculos as concentrações geográficas de atividades e empresas em determinados setores. Mas o papel desses aglomerados era mais limitado. No entanto, sua produtividade e amplitude aumentou com a evolução da competição e a maior complexidade das economias modernas. A globalização, junto com a crescente intensidade do conhecimento, exerceu um enorme impacto sobre o papel dos aglomerados na competição.
Os antecedentes intelectuais dos aglomerados remontam, pelo menos a Alfred Marshall, que inclui um capítulo fascinante sobre as externalidades das localizações industriais especializadas em Principles of Economics (publicado em 1890). Ao longo dos primeiros cinqüenta anos deste século, a geografia econômica era um campo consagrado, com ampla literatura. Mais recentemente, os retornos crescentes começaram a desempenhar um papel central nas novas teorias do crescimento e do comércio internacional, aumentando o interesse pela geografia econômica.[2]
Também na literatura gerencial, o foco na geografia ou nas localizações tem sido mínimo. Nas raras abordagens, a consideração da geografia em geral se reduz a disparidades culturais e de outras natureza a serem levadas em conta nos negócios envolvendo vários países. A localização corporativa tem sido tratada como uma sub-especialidade estreita da gestão operacional. Ademais, a recente preocupação com a globalização criou a tendência de encarar a localização como algo de importância secundária e decrescente.
Vários trabalhos publicados, sob certos aspectos, reconheceram e lançaram alguma luz sobre o fenômeno dos aglomerados; inclusive os que versam sobre pólos de crescimento e elos para a frente e para trás [3], economias das aglomerações[4], geografia econômica[5], economia urbana e regional[6], sistemas de inovação nacional[7], ciência regional[8], distritos industriais[9], e redes sociais[10].
A literatura sobre economia urbana e ciência regional focaliza as economias das aglomerações urbanas generalizadas em termos de infra-estrutura, tecnologia das comunicações, acesso aos insumos, base industrial diversificada e disponibilidade de mercados em áreas urbanas concentradas. Esses tipos de economias, que são independentes das modalidades de empresas e aglomerados existentes, parecem revestir-se de maior importância nos países em desenvolvimento. No entanto, no todo, as economias das aglomerações urbanas generalizadas talvez estejam diminuindo de importância, à medida que a abertura comercial e a queda nos custos dos transportes e das comunicações possibilitam acesso mais fácil aos insumos e aos mercados e na proporção em que mais localidades e países desenvolvem infra-estrutura comparáveis[11].
Outros estudos tratam das concepções geográficas de empresas atuantes em determinados campos, que poderiam ser vistas como casos especiais de aglomerados. Os distritos industriais de estilo italiano, reunindo empresas de peque e médio porte e dominando a economia local, são predominantes em certos tipos de setores. Em outras áreas, a regra é a mistura de grandes empresas nacionais, grandes empresas estrangeiras e um conjunto de pequenas empresas.
Alguns aglomerados giram em torno de pesquisas universitárias, ao passo que outros mal se aproveitam dos recursos das instituições tecnológicas formais. Os aglomerados se constituem tanto nos setores tradicionais como nos de alta tecnologia, nos de fabricação e nos de serviços. Na realidade, eles geralmente aglutinam alta tecnologia, baixa tecnologia, fabricação e serviços. Algumas regiões abrigam um único aglomerado dominante, enquanto outras contêm vários. Os aglomerados vicejam nos países em desenvolvimento e nas economias avançadas, embora a falta de profundidade dos aglomerados nas economias emergentes seja um típico obstáculo ao desenvolvimento.
Estudos anteriores contribuíram para a nossa compreensão a respeito das influências dos aglomerados na competição. A literatura sobre as economias da aglomeração salienta a minimização dos custos dos insumos, sua especialização, viabilizada pela amplitude do mercado local, e as vantagens da localização perto dos mercados. A literatura sobre o desenvolvimento econômico focaliza a indução da demanda e da oferta, certamente um elemento da formação dos aglomerados. A implicação normativa do conceito de elos para a frente e para trás, contudo, enfatiza a necessidade de desenvolver setores que mantenham vínculo com muitos outros. A teoria dos aglomerados, ao contrário, defende o aproveitamento das concentrações emergentes de empresas, como ponto de partida, e o estímulo ao desenvolvimento dos campos com os elos mais fortes entre os aglomerados ou com os maiores "extravasamentos" dentro de cada um deles.
Em geral, a maioria das teorias do passado tratam de aspectos específicos dos aglomerados ou se restringem a certos tipos de aglomerados. Muitos argumentos a respeito das aglomerações tradicionais que justifiquem a existência dos aglomerados foram ceifados pela globalização das fontes de abastecimento e dos mercados compradores. No entanto, a economia moderna, baseada no conhecimento, confere uma função muito mais substanciosa aos aglomerados.
Só agora seu papel mais amplo na competição passa a ser objeto de amplo reconhecimento. A compreensão desse papel exige a inserção dos aglomerados numa teoria mais ampla e dinâmica da competição, que abranja tanto o custo como a diferenciação, tanto a eficiência estática como a melhoria contínua e a inovação, e que reconheça um mundo de mercados globais de fatores e de produtos. Algumas das mais importantes economias das aglomerações representam eficiências dinâmicas e não estáticas e giram em torno da inovação e da velocidade do aprendizado. Os aglomerados exercem um papel mais complexo e integral na economia moderna do que se admitia anteriormente.
Assim, os aglomerados se constituem uma importante forma multi-organizacional, uma influência central sobre a competição e uma característica preeminente das economias de mercado. Sua situação em determinada economia proporciona importantes insigths sobre o seu potencial e sobre as limitações de crescimento futuro. O papel dos aglomerados na competição levanta importantes questões para as empresas, governos e outras instituições.
Outros conceito de Aglomerados.
“Concentrações geográficas de organizações e instituições de um certo setor, abrangendo uma rede de atividades inter-relacionadas e outras entidades importantes para a competitividade.(...) Muitos Aglomerados incluem instituições governamentais e outras como universidades, institutos de normas técnicas, celeiros de idéias, empresas de treinamento e as associações comerciais que provêm treinamento, educação, informação, pesquisa e suporte técnico especializado.”(Porter, 1998)
“(...) A essência do desenvolvimento de Aglomerados é a criação de capacidades produtivas especializadas dentro de regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. (Haddad, 1999)
“É um Grupo econômico constituído por empresas instaladas em uma determinada região, líderes em seus ramos, apoiado por outras que fornecem produtos e serviços, ambas sustentadas por organizações que oferecem profissionais qualificados, tecnologias de ponta, recursos financeiros, ambiente propício para os negócios e infra-estrutura física. (...) assegura certas formas de ações em comum e incrementa a freqüência e o impacto das interações (Vilela, 1999)
Um Aglomerado como “novo paradigma de desenvolvimento” justifica novas formas de intervenção. Os conceitos de vantagens competitivas dinâmicas e Aglomerados são novas formas de aproximar as sinergias, as externalidades e fracassos de mercado para construir novas formas de intervenção. Assim, Qual a importância dos ambiente em que se encontram? Como melhorar o ambiente para fortalecer a competitividade das empresas?
Na teoria das vantagens competitivas das empresas, o objeto de cada empresa é criar valor. A empresa é uma sucessão de atividades que geram valor. Cada atividade e os vínculos entre elas resultam na força competitiva do conjunto.
Mas o que determina a capacidade de inovar das empresas? Parte por elas mesmas, mas parte resultante de sua interação com outras empresas, como competidores, usuários, institutos tecnológicos, etc. refletida pelas diferenças nos valores locais, a cultura, as estruturas econômicas, as instituições e a história. Pode-se perceber que muitas empresas de liderança mundial provêm de um mesmo país ou cidade. Esta observação conduz a hipótese de que deve haver algo nessas concentrações, no interior de cada empresa, ou pelo menos em seu entorno que estimula a inovação e suporta o êxito competitivo do conjunto. Esse “algo” pode ser definido como os enlaces de um sistema de valor. A cadeia de valor de um empreendimento faz parte de uma corrente maior de atividades, de um sistema de valor. Assim, a competitividade das empresas depende de sua capacidade de inovar, o que, por sua vez, depende das relações com seu entorno.
O desempenho econômico favorável não se dá de forma isolada em indivíduos e empresas. A informação e conhecimento codificado pode ser divulgado ao redor do mundo, mas o conhecimento tácito (saber como) não o é. Elementos cruciais do conhecimento seguem sendo específicos e tácitos, inseridos em organizações, pessoas e localidades.
Resumindo, inovação existe em função da proximidade, na medida em que ela aumenta a pressão (de competidores e de consumidores) e melhora a capacidade de resposta. Esta última tem componentes estáticos (melhora a gestão dos enlaces em um sistema de valor) e dinâmicos (estimula o conhecimento tácito, via aprendizagem por interação).
Assim, a capacidade de inovação e a proximidade geográfica são variáveis endógenas, faltando uma teoria social para ativar o desenvolvimento. O conceito de eficiência coletiva analisa a ação coletiva para resolver problemas comuns ou para impulsionar maior eficiência do conjunto. O enfoque de eficiência coletiva permite entender os esforços intencionais como algo benéfico para o desenvolvimento, o que, contrasta como a economia neoclássica de interpretar a cooperação entre empresas como algo que impede o funcionamento das forças de mercado e, portanto, é nocivo para o desenvolvimento.

A figura acima mostra como os insumos de fatores abrangem os ativos tangíveis (como infra-estrutura física), a informação, o sistema legal e os institutos universitários de pesquisa a que recorrem as empresas na atuação competitiva,  estabelece um modelo dos efeitos da localização na competição com base em quatro influências inter-relacionadas.
Competitividade dos Centros das Cidades
As agruras dos centros das cidades, geralmente a parte mais antiga e decadente de uma cidade - caracterizada sobretudo por comunidades de baixa renda, com alta densidade demográfica, composta principalmente por grupos minoritários - constitui uma das questões mais desafiadoras nas cidade. A falta de empreendimentos e de empregos nas áreas urbanas desfavorecidas alimenta, não somente um ciclo de pobreza, mas igualmente problemas sociais como drogas e criminalidade ao mesmo tempo que contribui para a deterioração do patrimônio ali existente. O debate sobre as possíveis formas de interferência nestes espaços torna-se cada vez mais acirrado, no entanto os esforços das últimas décadas para revitalizar os centros das cidades redundaram em fracasso, não obstante aos investimento de recursos serem substanciais.
Uma base econômica sustentável estabelecida pela oportunidade de emprego, e pela criação de riqueza, cujo modelo não trate os centros como ilhas isoladas da economia circundante e sujeita a leis exclusivas de competição e comprometa a criação de empreendimentos economicamente viáveis. É imperativo reconhecer que a revitalização deste sítios exige abordagens radicalmente diferentes. A pergunta que se segue é inevitável. Como criar condições para a proliferação e crescimento dos empreendimentos nos centros das cidades e das oportunidades de empregos nas adjacências para os residentes locais. Segundo Porter, é possível criar uma base econômica sustentável nos centros das cidades, através de iniciativas e de investimentos privados, com base no auto-interesse econômico e na genuína vantagens competitiva e não pelos incentivos artificiais, da caridade ou de injunções governamentais.
Assim, a atividade econômica nos centros das cidades e adjacências lançará raízes se desfrutar de uma vantagem competitiva e ocupar um nicho de difícil reprodução em outros lugares. A vantagem competitiva de uma localidade geralmente não emerge em empresas isoladas, mas em aglomerados - em outras palavras, em empresas que atuam no mesmo setor ou que, do contrário, se interligam através de clientes, fornecedores de relacionamentos semelhantes.
Se as localidades e os eventos históricos dão origem ao aglomerados, são este que impulsionam o desenvolvimento, criam novas capacidades, novos empreendimentos e novos setores. Para reconhecer a relevância desta teoria em áreas menores como os centros antigos das cidades é preciso primeiro identificar suas vantagens competitivas e a maneira como seus empreendimentos são capazes de forjar conexões com as economias circundantes urbanas e regionais.
As Verdadeiras Vantagens dos Centros das Cidades
Primeiramente faz-se necessário romper com a percepção imprópria de os centros das cidades desfrutam de duas vantagens principais: os imóveis e a mão-de-obra de baixo custo, pois em contrário, tendem a ser mais elevados que nos subúrbios ou zonas rurais. Em contrário, somente atributos exclusivos destes sítios sustentam empreendimentos viáveis. Para a identificação desses atributos é necessário as principais vantagens dos centros das cidades, tais como, Localização Estratégica, Demanda do Mercado Local, Integração com os Aglomerados Regionais e Recursos Humanos. Obviamente outros atributos poderão ser identificados, particularmente quando estas áreas centrais também são áreas de interesse histórico e cultural como é o caso do Bairro do Recife e adjacências.
As Desvantagens Reais dos Centros das Cidades
Os obstáculos a serem enfrentados são maiores que os situados em outras localidades. Muitos destes obstáculos são infringidos desnecessariamente pelo governo. Embora haja, além de terrenos, uma quantidade significativa de edificações nestes sítios, boa parte deles não é utilizável do ponto de vista econômico ou empresarial sem um considerável investimento de recuperação, conservação e adaptação de usos. Não muito distante, aparecem os custos de construção e/ou recuperação, significativamente maiores que nos subúrbios. Custos estes, ligados muitas vezes relacionados a ônus e atrasos relacionados a logística, negociações com grupos comunitários e com as rigorosas posturas urbanas: restrições de zoneamento, especificações arquitetônicas, imposições governamentais e dos institutos de patrimônio históricos, etc. Ainda mais danoso que os custos regulamentários é a incerteza que o processo acarreta para os investidores potenciais.
Fatores outros, como a segurança, infra-estrutura, qualificação dos empregados, etc. acarretam fortes obstáculos ao desenvolvimento urbano dos centros das cidades. Mas há ainda isolamento dos empresários para com as comunidades locais.




[1] capacidade de inovação em processos e produtos ou na forma de atuação no mercado
[2] Krugman, 1991A, 1991B.
[3] Hirschman, 1958.
[4] Weber, 1929; Lösh 1954; Harris, 1954; Isard, 1956; Loud and Dicken, 1977; Goldstein e Grongerg, 1984; Rivera Batiz, 1988; McCann, 1995B; Ciccone e Hall, 1996 e Fujita e Thisse, 1996.
[5] Stoper e Salais, 1997A, 1997B; Stoper, 1997; Amin eThrift, 1992; e trabalhos de Stoper, Gertler, Mair, Swyngedouw e Cox em Cox,1993.
[6] Scott, 1991; Glaeser, Kallal, Scheinkman e Shlifer, 1992; Glaeser 1994; Handerson, 1994; Glaeser, Scheinkman e Shlifer, 1995; Henderson, Kuncoro e Turner, 1995 e Henderson 1996, são exemplos interessantes.
[7] Bengt-Åke, 1992; Dosi, Gianetti e Toninelli, 1992; Nelson, 1993 e Cimoli e Dosi, 1995.
[8] Giarrantini, 1994 e Markusen 1995A.
[9] Inclui trabalhos de Piore e Sabel, 1984; Becattini, 1987; Pyke, Becattine e Sengenberger, 1990; Pyke e Sengenberger, 1992 e Harrison, 1992.
[10] Burt, 1977; Granovetter, 1985; Henton, Melvine e Walesh, 1997; Nohria, 1992; Perrow, 1992; Putnam, Leonerdi e Nanetti, 1993; Fukyama, 1995 e Harrison e Weiss, 1998.
[11] Harrison, Kelley e Grant (1996) desenvolveram um teste criativo da importância relativa das economias do setor e da urbanização na difusão da inovação em atividades de usinagem de metal, e constataram que os efeitos da urbanização são mais significativos. No entanto, reconhecem que o teste não é, de modo algum, definitivo. Isto porque, entre outras razões, consideraram uma inovação de ampla aplicação (versus especializada) numa área sem grande concentração geográfica. Na realidade, a metalurgia não constitui, em si, um aglomerado, mas parte de outro aglomerado.