segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Consumo dos espaços históricos. Bairro do Recife x Pelourinho

Natália Vieira, Pernambuco

Depois de uma busca desenfreada por símbolos de modernidade, parece ocorrer uma espécie de pânico pela falta de memória das cidades. Além disso, não se pode ignorar a presença marcante da Indústria Turística, hoje celebrada como a grande solução para os nossos problemas econômicos.
Cidades inteiras vêm se transformando com o objetivo de atrair turistas, levando a uma sensação de estranhamento dos antigos moradores ao transformar tudo em espetáculo. O turista passa a ser um espectador passivo, quase sempre tratado como mero consumidor. Os pacotes turísticos são uma evidência disto ao controlar e delimitar todas as ações do turista, que acaba não percebendo a identidade do lugar.
Assim, na competitividade entre cidades característica do mundo globalizado, a História passa a ser mercadoria de alto valor, procurada por ávidos consumidores de "cultura". A conseqüência disto nem sempre é a preservação da memória, mas a criação de locais pretensamente históricos como revitalizações que transformam centros históricos em "shoppings a céu aberto", ou seja, parques temáticos que fazem de nossas cidades verdadeiras Disneylândias.
O marketing realizado pelos estados e municípios utiliza-se de ferramentas como a estética urbana e a identidade cultural local para auxiliar na venda do seu produto: a cidade. Vendendo ao país inteiro através da mídia a idéia do "progresso" e "modernidade", os governantes conseguem aumentar sua popularidade e obtêm importantes dividendos políticos, sem atacar de frente as mais urgentes questões sociais. A maquiagem parece funcionar melhor.
É preciso, então, buscar uma efetiva preservação da memória, não se permitindo a transformação de lugares da cidade em "não-lugares" que poderiam estar em qualquer parte do mundo. O que caracteriza um lugar são suas bases regionais, sua população e a relação com o restante da cidade A dificuldade está em conseguir a real preservação dentro deste contexto.
Experiências como a revitalização do Bairro do Recife demonstram grandes avanços. Infelizmente, exemplos como a recuperação do Pelourinho vêm tendo muito mais espaço na mídia, que o apresenta como modelo a ser seguido. O que se observa é um bem sucedido marketing político, pois os comentários constantemente publicados sobre o Pelourinho são, em sua maioria, superficiais e carentes de postura crítica. Não se comenta, por exemplo, sobre a expulsão "disfarçada" da população local a custos baixíssimos. Estudos acadêmicos também já provaram que o alardeado "sucesso turístico extraordinário" é muito mais folclore do que realidade.
O caso do Bairro do Recife demonstra uma nova postura frente à história sem negar a necessidade de dar valor de mercado ao espaço. No Bairro do Recife, o processo é lento e gradual, possuindo maiores condições de sustentabilidade. Ao lado dos 2,7 milhões de reais investidos pela prefeitura, a iniciativa privada investiu 2,8 milhões, entre 1994 e 1996, demonstrando uma forte parceria. À medida que diversos atores se envolvem no processo, ninguém tem interesse que o projeto dê para trás.
No Pelourinho o processo é unilateral e até hoje mantido às custas dos cofres do Estado, que financia inclusive a programação de shows nos diversos palcos armados. Já que tudo que acontece lá é conseqüência de um investimento alto e permanente do Estado, a situação é artificial e será mantida enquanto o Estado puder financiá-la.
Atualmente, o Bairro do Recife é um dos lugares da cidade mais freqüentados à noite. É certo que faltam atividades que lhe dêem mais vida durante o dia, apesar de já existirem escritórios, bancos, livraria, cursos... Para não se tornar uma obra de fachada, como parece ser o caso do Pelourinho, o projeto do Bairro do Recife deve se concentrar em problemas substanciais como o estímulo ao uso residencial e o tratamento do pólo Pilar, área de maiores problemas sociais do Bairro e que, exatamente por isso, deve ser priorizada. Sendo assim, a revitalização do Bairro do Recife encontra-se em um ponto crucial, a partir do qual pode tanto confirmar sua opção pelo bem-estar da cidade quanto render-se às forças do mercado, continuando a investir apenas nas áreas de retorno imediato.
É inegável que os espaços necessitam de valor de uso para que sejam conservados, mas estes usos e esta vida não podem ser artificiais. Muitos estudos críticos alertam para a falta de vida de verdade da nossa sociedade, mas grande parte da população é seduzida por este processo de construção de cenários sem perceber a superficialidade disso tudo. Entre teoria e prática também existe uma longa distância; mesmo depois de perceber essa artificialidade, quem está disposto a se arriscar na vida de verdade, a não ser quem não tem a opção de participar da vida artificial?
Natália Miranda Vieira - arquiteta formada pela UFPE, atualmente matriculada no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, estando em fase de elaboração da dissertação de mestrado intitulada "O lugar da história e da memória na cidade contemporânea - estudo de caso comparado: revitalização do Bairro do Recife x revitalização do Pelourinho"

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