Natália Vieira, Pernambuco
Depois de uma busca desenfreada por símbolos de modernidade, parece ocorrer uma espécie de pânico pela falta de memória das cidades. Além disso, não se pode ignorar a presença marcante da Indústria Turística, hoje celebrada como a grande solução para os nossos problemas econômicos.
Cidades inteiras vêm se transformando com o objetivo de atrair turistas, levando a uma sensação de estranhamento dos antigos moradores ao transformar tudo em espetáculo. O turista passa a ser um espectador passivo, quase sempre tratado como mero consumidor. Os pacotes turísticos são uma evidência disto ao controlar e delimitar todas as ações do turista, que acaba não percebendo a identidade do lugar.
Assim, na competitividade entre cidades característica do mundo globalizado, a História passa a ser mercadoria de alto valor, procurada por ávidos consumidores de "cultura". A conseqüência disto nem sempre é a preservação da memória, mas a criação de locais pretensamente históricos como revitalizações que transformam centros históricos em "shoppings a céu aberto", ou seja, parques temáticos que fazem de nossas cidades verdadeiras Disneylândias.
O marketing realizado pelos estados e municípios utiliza-se de ferramentas como a estética urbana e a identidade cultural local para auxiliar na venda do seu produto: a cidade. Vendendo ao país inteiro através da mídia a idéia do "progresso" e "modernidade", os governantes conseguem aumentar sua popularidade e obtêm importantes dividendos políticos, sem atacar de frente as mais urgentes questões sociais. A maquiagem parece funcionar melhor.
É preciso, então, buscar uma efetiva preservação da memória, não se permitindo a transformação de lugares da cidade em "não-lugares" que poderiam estar em qualquer parte do mundo. O que caracteriza um lugar são suas bases regionais, sua população e a relação com o restante da cidade A dificuldade está em conseguir a real preservação dentro deste contexto.
Experiências como a revitalização do Bairro do Recife demonstram grandes avanços. Infelizmente, exemplos como a recuperação do Pelourinho vêm tendo muito mais espaço na mídia, que o apresenta como modelo a ser seguido. O que se observa é um bem sucedido marketing político, pois os comentários constantemente publicados sobre o Pelourinho são, em sua maioria, superficiais e carentes de postura crítica. Não se comenta, por exemplo, sobre a expulsão "disfarçada" da população local a custos baixíssimos. Estudos acadêmicos também já provaram que o alardeado "sucesso turístico extraordinário" é muito mais folclore do que realidade.
O caso do Bairro do Recife demonstra uma nova postura frente à história sem negar a necessidade de dar valor de mercado ao espaço. No Bairro do Recife, o processo é lento e gradual, possuindo maiores condições de sustentabilidade. Ao lado dos 2,7 milhões de reais investidos pela prefeitura, a iniciativa privada investiu 2,8 milhões, entre 1994 e 1996, demonstrando uma forte parceria. À medida que diversos atores se envolvem no processo, ninguém tem interesse que o projeto dê para trás.
No Pelourinho o processo é unilateral e até hoje mantido às custas dos cofres do Estado, que financia inclusive a programação de shows nos diversos palcos armados. Já que tudo que acontece lá é conseqüência de um investimento alto e permanente do Estado, a situação é artificial e será mantida enquanto o Estado puder financiá-la.
Atualmente, o Bairro do Recife é um dos lugares da cidade mais freqüentados à noite. É certo que faltam atividades que lhe dêem mais vida durante o dia, apesar de já existirem escritórios, bancos, livraria, cursos... Para não se tornar uma obra de fachada, como parece ser o caso do Pelourinho, o projeto do Bairro do Recife deve se concentrar em problemas substanciais como o estímulo ao uso residencial e o tratamento do pólo Pilar, área de maiores problemas sociais do Bairro e que, exatamente por isso, deve ser priorizada. Sendo assim, a revitalização do Bairro do Recife encontra-se em um ponto crucial, a partir do qual pode tanto confirmar sua opção pelo bem-estar da cidade quanto render-se às forças do mercado, continuando a investir apenas nas áreas de retorno imediato.
É inegável que os espaços necessitam de valor de uso para que sejam conservados, mas estes usos e esta vida não podem ser artificiais. Muitos estudos críticos alertam para a falta de vida de verdade da nossa sociedade, mas grande parte da população é seduzida por este processo de construção de cenários sem perceber a superficialidade disso tudo. Entre teoria e prática também existe uma longa distância; mesmo depois de perceber essa artificialidade, quem está disposto a se arriscar na vida de verdade, a não ser quem não tem a opção de participar da vida artificial?
Natália Miranda Vieira - arquiteta formada pela UFPE, atualmente matriculada no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, estando em fase de elaboração da dissertação de mestrado intitulada "O lugar da história e da memória na cidade contemporânea - estudo de caso comparado: revitalização do Bairro do Recife x revitalização do Pelourinho"
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