Alexis Tocqueville, Nobre Aristocrata francês do início do século XIX, imbuído pelos conflitos da Nobreza e da Monarquia e pela forças revolucionárias então vigentes do pós revolução francesa, infiltra-se no sistema penitenciário americano com o objetivo de entender as correlações de Leis, Costumes e Democracia, diferentes nos dois continentes, não somente pelas diferenças geográficas e históricas entre o Novo e o Velho Mundo, mas também por entender que “na América, têm-se idéias e paixões democráticas; na França, temos ainda paixões e idéias revolucionárias”.
Acodem-nos naturalmente as palavras de Sainte-Beuve: “Ele começou a pensar antes de haver aprendido o que quer que fosse”. Retomando a mesma idéia sob outra forma, pode-se dizer que ele oferece o exemplo-limite de um intelectual que nunca “aprendeu” senão no âmbito daquilo que previamente pensara, o que lhe dá ao mesmo tempo uma excepcional estreiteza e uma excepcional profundidade: nada é registrado ao acaso, pelo mero prazer de saber. Sem falar nos ganhos de tempo e energia. (...) Resta compreender por quê, o que nos obriga a refazer a montante a história dos seus “pensamentos”.
Se o “sistema” se constitui tão cedo, parecem-me que é porque é edificado, mesmo na sua parte explicativa, sobre um alicerce de ordem não intelectual, mas puramente existencial. Alexis Tocqueville se interroga inicialmente sobre a importância da leis e dos costumes na manutenção da democracia americana, por oposição ao que ele chama de “causas materiais”, isto é, as particularidades do Novo Mundo e seus privilégios no que concerne à relação do homem com o espaço. Está diante de um problema clássico – talvez central – das ciências sociais, que consiste em isolar o papel e a influência de uma variável ou de um conjunto limitado de variáveis sobre um processo de conjunto. Prova disso é que procura como ponto de comparação um país fora da América, portanto privado dos benefícios geográficos que lhe são inseparáveis e provido, em compensação, de leis e costumes comparáveis: mas não o encontra. Conclui daí que, na falta de objeto de comparação, “só se pode arriscar opiniões”.
Tocqueville não abandona seu conceito de Democracia à luz das diferenças entre as três raças que compunham a sociedade americana de então, mesmo se tratando de uma incompatibilidade com a democracia reinante na União. Mas incompatíveis em sentidos distintos. Os índios formam uma sociedade particular, fechada em si mesma, cujas regras, opiniões e costumes “selvagens” traduzem menos uma origem da humanidade, como se acreditava no século XVIII, do que um tipo de organização social que ignorava a agricultura e a sedentarização. Os negros, escravos, são uma não-sociedae, uma vez que a servidão e por definição uma pura relação de força, e não um vínculo “social”; mas o princípio da escravidão compromete a existência da sociedade livre que a instaurou e que, por havê-la instaurado e perpetuado, encontra-se minada desde o interior. Os índios podem ser e serão destruídos pela lei, como uma sociedade situada fora dela. Os negros existem, pelo contrario, em função de uma instituição da democracia americana, contraditória consigo mesma, mas por ele desejada: são ao mesmo tempo indispensáveis e inassimiláveis, necessários e destruidores do pacto social de base. A América igualitária incorporou um princípio inconfessável e nocivo; e, se esse paradoxo é perigoso para a sua própria existência, é porque destrói ainda mais a sociedade democrática branca do que a população dos escravos negros. Há em filigrana na
Democracia uma teoria da produção das desigualdades simbólicas pela igualdade, causa da inquietude e da inveja que são os sentimentos característicos das democracias.
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