sábado, 22 de maio de 2010

Cartas – 10 A amizade em Aristóteles

Caro Amigo,

Segundo Aristóteles, o requisito essencial para a amizade é “a consciência, a qual só é possível se duas pessoas são agradáveis e gostem das mesmas coisas”. Entretanto, se a ausência é demorada parece provocar o esquecimento da amizade.
Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis; e se é isso que se entende por ser bom ou mal, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.
Aristóteles estabeleceu, assim, um tratado das virtudes humanas. As virtudes se dividem em intelectuais ou dianoéticas e as virtudes morais, que podem ser aprendidas através do hábito o que possui uma finalidade imprescindível, na medida em que serve de fio condutor de acesso à felicidade. Trata-se, na verdade, da doutrina do eudamonismo, ou seja, nossas atitudes devem buscar a felicidade através de ações virtuosas. Como virtude necessária no compartilhamento da felicidade, encontra-se em posição de destaque se a amizade.
A amizade é, pois, uma virtude extremamente necessária à vida. Mesmo que possuamos diversos bens, riqueza, saúde, poder, ainda assim, não será suficiente para nossa realização plena, pois nos falta a essencial e indispensável amizade.
A amizade não é apenas necessária, mas também nobre, pois louvamos os homens que amam os seus amigos e considera-se que uma das coisas mais nobres é ter muitos amigos. Ademais pensamos que a bondade e a amizade encontram-se na mesma pessoa.
A condição necessária e basilar para se formar uma amizade se dá pelo conhecimento de uma a outra pessoa que desejam entre si reciprocamente o bem. Assim como a condição específica para ser objeto de amor é ter um caráter bom, agradável e útil.
A amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons e semelhantes na virtude, ou seja, há a reciprocidade de caráter e de objetivos, conseqüentemente portará a tendência de ser perene. Sua exigência peculiar resume-se em tempo e intimidade e a verdadeira amizade é invulnerável à calúnia.
Podemos dizer que amar assemelha-se à atividade, e ser amado à passividade: amar e ter várias formas de sentimentos amistosos são atributos dos homens mais ativos.
Mas a amizade pode cessar quando a reciprocidade de interesses é desvinculada. Esses fatos ocorrem quando o amante ama o amado visando o prazer, e o amado a utilidade, e nenhum deles possuem as qualidades que deles se espera. Ou seja, nenhum deles amava o outro por si mesmo à vista que suas qualidades não eram duradouras. Nesse sentido, os desentendimentos ocorrem quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam.
A amizade envolve a intimidade, a benevolência pode surgir subitamente, como acontece com os adversários em uma competição. Assim, ela pode ser o início de uma amizade, do mesmo modo que o prazer com os olhos é o início do amor. Logo, podemos se aproximam por sentir benevolência uma para com a outra, na medida em que o tempo trará a intimidade para ratificar o amor.
Assim, afirma Aristóteles:
Por uma extensão da palavra amizade, poderíamos dizer que a benevolência é a amizade inativa, não obstante, quando se prolonga e chega ao ponto da intimidade, ela passa a ser amizade verdadeira. Mas não se trata da amizade baseada na utilidade ou no prazer, pois a benevolência não se manifesta em tais condições.
O caráter deliberativo encontra-se na inteligência prática, pois nos responde se o nosso desejo é bom ou não. Se for bom, a escolha deverá ser feita, pois houve concordância entre a razão e o desejo (a razão aprovou o desejo). Mas quando a razão conclui que tal desejo nos prejudica, então não deveremos escolher, pois embora o tenhamos desejado, a razão o rejeitou como algo prejudicial. Nesse sentido, só será lícito conhecermos uma coisa que desejamos, depois que o raciocínio a examinar declarando-a boa.
E não é menos evidente que a escolha não será acertada sem a sabedoria prática, como também não sem a virtude, pois uma determina o fim e a outra nos leva a praticar ações que conduzem a esse fim.
Na verdade, Aristóteles instituiu o conceito do desejo deliberado, ou seja, a filosofia do agir. Uma estreita ligação entre desejo e virtude faz com que se possa justificar o eudonismo racional, cuja finalidade é a contemplação. Por conta disso, não se pode conciliar plenamente a unidade da virtude com a multiplicidade das virtudes, porque cada uma é ao mesmo tempo o seu fim em si e meio para atingir a contemplação. Por outro lado, e ainda diferentemente de Platão, não se pode separar a vida ativa e a vida contemplativa. Participando do prazer eterno o filósofo, ao contemplar obedece à sua natureza racional, cumprindo, o mais completamente possível ao homem, o seu dever de ser feliz.

Abraços.

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