sábado, 22 de maio de 2010

Cartas – 9 Dos olhos, das mãos, dos dentes

Caro Amigo,

Trago, desta vez, meu último recurso textual da série que o precedeu os quais têm ou tinham como objetivo a abertura de um diálogo entre nós. Não serei mais importuno do que já fui, nem tampouco aludirei às complexas histórias que lhe impus apenas me silenciarei e aguardarei seu desejo de contato. Sei que isto me angustiará, mas, essa angustia é necessária dentro de meu intento. 
O TRÍPLICE HOMOERÓTICO
Hoje o que requeremos, se cobra e se imola em versos que irão desvelar a mais pura evolução do desejo amoroso ou mais precisamente do desejo homoerótico. Do receio que manifestamos diante de tal desejo, do olhar que se reparte em devaneio, e da chegada ao porto, ao admitirmos o próprio corpo como ponto inicial de partida para outros territórios, para outros desejos, para outros corpos.
Vamos tratar do intróito, “Dos olhos”, “Das mãos”, “Dos dentes”, como projeto estético, e considera-lo como uma divisão tripartida da existência de um eu-lírico-narrador ao contar uma história de desejo que coincide com uma história de torpor platônico dos três eus, em três momentos líricos diferentes:
“Dos olhos”
Dói olhá-lo. Dói um rasgo tão fundo
Nas mãos de meus olhos tontos
De tanto azul jeans que contorna sua pele
Com escadas para um jorro de masculina maciez.
Arranha presumir seu cheiro entre
os cabelos e os lábios e o pêlo calmo
que acompanha peito, braços e pernas
adivinhadas, ai, sob a pele azul.
Crispam-se meus dedos tumefatos e largos
Com inventarem suas ruas, clareiras, solares.
As idéias me unham, as que colho de seu corpo
Entre meus olhos doídos e meus óculos em agonia.
A articulação corporal homoerótica não se rume à temática, mas também pelo jogo da linguagem e das inusitadas imagens, ora como ponto de apoio ao tema – “com escadas para um jorro...” –  ao metaforizar a excitação crescente pelo olhar até o êxtase, ora para, como ao suspirar, admitir o pecado-culpa do gozo na purificação repousante do pós-orgasmo-contido, “adivinhadas, ai, sob a pele azul.”.
A força primordial do poema-corpo-masculina-maciez é a sensualidade à flor da pele que pelas “ruas, clareiras, solares” de descortinam o momento poético de um ritmo que emerge das próprias sensações ao confrontar suas próprias contradições entre limites do erótico e o homoerótico, do sexo e o amor.
Espalho meus olhos sobre sua presença.
As tardes mimam o delicado de seus ombros magros
E seus cachos declaram ouro e trechos de nuca
Com pistas para cheiros simples e maciez.
Todo seu jeito sopra chegada de junho
No calendário de hibiscos e nuvens: calma
Que meu rosto e meus pensares aguardam.
Exatos cabem seus olhos, suas mãos, sua tez de poente
Nos poemas que adio, nas vontades que guardo,
Nos abraços que escondo, na alegria que prendo.
Meus olhares não trazem seus crescentes;
Seu lume meus escuros não alcançam
Meus verbos não se transformam em você,
Um gosto de agulha ancora em meus sentidos.

“Das mãos”, lugar entre o onanismo que o eu ousa olhar e desfrutar o gozo.

“Das mãos”
Toda luz carrega tumultos
Se sobre seu corpo manso
Ela espalha imagens de cachos e sardas.
Meus dedos rondam o delírio.
Toda luz carrega tumultos
Se de seu corpo pouco
Ela revela castanha virilha e haste tanta.
O delírio saqueia minhas mãos.
A licenciosidade é dita da maneira mais precisa para nos mostrar a fantasia da ereção e a musicalidade, metáforas plenas (“haste tanta”), o trato fino com a linguagem e com o corpo homoerótico, que nos dá a chave do ciclo erótico, de extrema completude: para haver a cumplicidade, basta que o eu do poeta fantasie a plena recepção do prazer do outro – a contemplação dos corpos. Entretanto, a intimidade com o léxico erudito, (“se de seu corpo pouco”), parece estar no domínio do vocábulo exato, no ponto mais alto do projeto poético.
“Dos dentes”, lugar poético onde se deflagra a fantasia e admitir-se entre as mãos e coxas do outro, num assumir tranqüilo (“quando para mim sua masculinidade desperta,/ tudo o que em mim é masculino anoitece/ (...) navega, entre seu cerco e abraço, meu cio/ de vermelha dança de fruta sob os claros dentes”.)
Um filete de luz corre o lençol
e toca o escuro pêlo de seu colo;
os lábios róseos coram
de meu pau: recomeço.
Seu zíper, em gerúndio, acorda:
revoada de estrelas
no céu sempre noite
de minha boca.
Leve sua perna espreita a minha.
O ônibus freme de paisagens.
Não interessa seu nome,
mas pedaços de seu sim.
Do poema, transgressor temático, desafiador da modalidade lírica, exprime-se o desejo pelo outro numa comunhão de corpos (físicos homoeróticos e corpo/linguagem), exorcisando qualquer discussão, temas ou valores conteudísticos.

Abraços.

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