sábado, 22 de maio de 2010

Cartas – 11 Epílogo: perdão e culpa

Caro Amigo,

Em minha percepção, existe um interesse idealizado pela maturidade que só poderia emergir de um artista, como somente um artista seria capaz, sobretudo quando se sente à iminência de estar pouco a pouco distante do motivo idealizado. Platônico, ainda, porque não houve contato, um cumprimento se quer, nem troca de palavras que o dissipasse. Em verdade, foi – e continua sendo – uma narrativa em sucessão que traz onipresentemente a expectativa, a ansiedade, o prazer e a tristeza na busca incessante por ter à vista e meios de encetar uma palavra de desculpas, ao menos.
É uma luta contra o tempo, e lamento diante da confirmação da sua beleza, que o deus Eros, para tornar visível, utilizou-se da forma e das cores da sabedoria. Ao contemplar a beleza de toda a sua maturidade materializada, tenho novo ânimo e esperança interiores, novo “anima”, já que me submeto às mudanças na aparência, como nos cabelos que se vão encanecendo...
Este é o tempo
da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
Minha aspiração, longe de ser carnal, porém sensual, é estética; posso dizer, contemplativa. É evidente que aqui existe um conteúdo inconfidente, porém, sem pecar no uso limitado e vulgarmente difundido do que seja “lascívia”, mas voltado a sua interpretação ao deus que lhe cunhou o termo.
É obvio de que se trata de algo platônico, não esquecendo do significado intrínseco do termo, algo tratado em algumas “polis” gregas da antiguidade e com as sutilezas filosóficas. Frente a esta variação de aspirações, vejo um alerta silencioso e subliminar de que os excessos dessa minha inconfidência só podem terminar com a renuncia, como símbolo do aniquilamento, da punição física e quem sabe, espiritual.
Assim como um escravo que desfrute no sono de uma liberdade imaginária, quando começa a suspeitar que sua liberdade é só um sonho, teme ser despertado, e conspira com essas ilusões agradáveis para ser mais longamente enganado; assim, também, eu recaio, insensivelmente por mim mesmo, em minhas antigas opiniões, e fico apreensivo em despertar deste torpor, como medo que as vigílias laboriosas que sucederiam à tranqüilidade desse repouso, ao invés de trazerem alguma luz no conhecimento da verdade, não fossem suficientes para esclarecer a treva das dificuldades que me assolam.
Primeira Meditação, René Descartes
(...) e subitamente, como por uma recordação, um impulso, mudando de posição com uma bela volta do busto, mão na nuca, e por cima do ombro, lançou o olhar para a margem. O que observava ainda estava sentado ali, como no dia em que, pela primeira vez, daquele umbral de porta, aquele olhar de um cinza de alvorada encontrara o seu.
Morte em Veneza (Der Tod in Venedig), Thomas Mann.
Sinto que o meu tempo vivido é mais curto que o meu tempo contado. E, paradoxalmente, sinto que a parábola da vida marcha, vertiginosamente, para uma fase descendente. É esta falta de homogeneidade no tempo vivido que me permite escrever essa história de vida sob diferentes matizes. Hoje é o tempo. Este continua a ser o meu tempo.
O seu silêncio é a minha renuncia, é o meu epílogo, pois boas desculpas não precisam de perdão já que o pedido de perdão exige culpa e se eu quero ser perdoado, não há desculpas, pois pedir perdão é assumir a culpa.

Abraços.

Nenhum comentário:

Postar um comentário