quarta-feira, 26 de maio de 2010

Cartas – 17 A ética e a estética da amizade

Caro Amigo,

A experiência da existência, sob a perspectiva ascética, busca a disciplina com o objetivo de alcançar a prática perfeita em determinado ofício, atividade ou arte, ou seja, constitui algo da qual se sai transformado; devem experimentar o sujeito para alcançar outra forma de ser. No curso da história, o homem: animal de experiência, não cessou de se construir, de trasladar ciclicamente o nível de sua subjetividade, de cingir uma série infinita e múltipla de subjetividades distintas e, sem galgaram um final, não nos apresentou algo que pudesse ser o homem. Busca-se, pois, uma individualidade menos engendrada as regras da masculinidade heterossexista com provas de quanto à mulher foi privada de seu contato com o mundo, sobre elas pairou sua natureza inferior aos homens, no contínuo petrificado de seu habitat. Concomitantemente, o homem heterossexual, se legitimou e penetrou no tecido da literatura canônica por séculos a fio e ainda o são bem representados.
Assim, os espectros do masculino traduzem as tessituras existenciais engendradas por uma versão de narrativa que reflete a sedução e dialeticamente a crise diante da carga cunhada pela exposição de sua essência. Refletir, pois, sobre a amizade é relativizar as engrenagens regulatórias na atividade de seu potencial transcendente e promover uma ruptura com os ideais estereotipados, definidos por nossa sociedade. Em outras palavras, reconhecer na estética da amizade um assunto privativo do indivíduo, de significado apolítico, cuja ordem social determinou seus limites: status social, classe, educação, etc. e destruiu outras variantes da criatividade.
Repensar a moral grega implica rever o domínio da moral, o sentido cingido da experiência concretizada na liberdade de escolha, sobretudo no quadro das relações de amizade atuais. A releitura da estilística da existência desenvolve o primado da amizade, evidencia um processo político que respalda a hegemonia da família nuclear e o declínio das práticas e da reflexão sobre a amizade na sociedade moderna, Sugere, pois, um certo esvaziamento da esfera pública. Ainda assim o declínio da amizade nas sociedades contemporâneas está ligado aos processos de despolitização e da familiarização do privado.
É necessário construir o espaço narrativo para se ler o homoerotismo onde a amizade agrega a experiência e a experimentação de vida. Traçar a amizade como experiência de vida é, portanto, traduzi-la no seio das relações entre as formas, nas relações entre as forças e das relações entre si, construindo a existência da narrativa como obra de arte.
São das relações consigo e com o outro e da migração por outros horizontes que se trabalham as práticas de liberdade, fomentando um estilo, uma vida esteticamente crítica e criativa. As amizades amparadas nas resistências diante da vida e articuladas nas experiências de si inventam e se reinventam de modo preponderantes. A amizade cingida na ética e erigida pela existência subjetivada é facultada às práticas de si, às condutas de si, que resistem as regras do saber e do poder, moldam estilos de vida como princípios éticos. Neste caso, a ética não se desvincula da estética. Ao erigir formas de existência, dobra-se as forças ontológica por questionar o saber, o poder e o si e busca-se nas destemperanças uma arte de viver.
A questão enquadra a amizade na contextura da estética da existência; noção característica da Antiguidade frente ao dilema de inserir a reciprocidade na relação de amizade somente mediante a supressão das relações sexuais. Mesmo assim, a ética antiga, definida pela atividade, assimetria e obrigação de penetração, não oferece nenhum lugar para a Philia, desde que Platão concebera a reciprocidade as expensas de Eros. Como Eros designa uma atividade da alma e Philia representa uma condição, Eros, como atividade, conduz à Philia, evoca amizade, mas somente na alma justa. A relação única entre homens é revelada na ética sexual platônica, que trata da sublimação de Eros, que na relação com a Philia, perde toda carga sexual, transformando-se em um amor pela verdade.
Eros e Philia são dois eixos antagônicos na história da amizade e para se reverter o platonismo nessa margem histórica, será necessária a reabilitação da amizade como forma da estilística da existência e se propor a restaurar Eros, destituído desde a Antiguidade, para a dinâmica da amizade. As relações helênicas entre homens se pautavam na temperança sexual no exercício da liberdade tomando forma no domínio de si, “esse domínio se manifesta na maneira pela qual o sujeito se mantém e se contém no exercício de sua atividade viril, na maneira pela qual ele se relaciona consigo mesmo na relação que tem com os outros” (Michel Foucault). O uso dos prazeres não trata sobre amizade, amor e reciprocidade. Podemos nos dar uma ética das ações e de seus prazeres ao considerar o prazer do outro, e, o prazer do outro, algo que pode ser integrado em nosso próprio prazer.
Gerou-se aqui uma problematização ética marcada, ao mesmo tempo, por dobrar a força equivalente de um gesto ético e estético; significa ou implica pensar uma nova ética, não a ética da transgressão, mas a ética da constante ignorância com formas constituídas de experiência, de libertação pessoal, para a invenção de novas formas de vida, curvar a força, resistir e sobressair ao poder. Os gregos fizeram muito menos e muito mais, como quiseram. Eles dobraram a força, descobriram a força como alguma coisa que podia ser dobrada, e isso unicamente por estratégia, porque eles inventaram uma relação de forças que passava pela rivalidade dos homens livres.
A sexualidade é algo que nós mesmos criamos; nossa própria criação, bem mais do que a descoberta de um aspecto de nosso desejo. Devemos compreender que com nossos desejos e, através deles, instauramos novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo, portanto, não é uma fatalidade; é uma possibilidade de se alcançar uma vida criativa.

Abraços.

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